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    Tensão racial americana permeia filmes no Festival de Toronto

    GUILHERME GENESTRETI
    ENVIADO ESPECIAL A TORONTO

    16/09/2017 02h00

    Divulgação
    Halle Berry em cena do filme 'Kings
    Halle Berry em cena do filme 'Kings'

    A primeira cena de "Kings" desencadeou uma onda de suspiros de aflição na sala em que o longa foi exibido, no Festival de Toronto: uma garota negra é alvejada na cabeça pela dona de um mercadinho de bairro enquanto tentava surrupiar um suco de laranja.

    O longa aborda a tensão racial que culminou em protestos na empobrecida região sul de Los Angeles em 1992. O estopim foi a absolvição de quatro policiais brancos acusados de espancar um taxista negro. O crime foi filmado por câmeras de segurança e insuflou um levante que terminou em mais de 50 mortes.

    É nesse caldeirão que a diretora turca Deniz Gamze Ergüven ambienta sua trama.

    Halle Berry é Millie, a mãe postiça que acolhe crianças e adolescentes abandonados. Seu vizinho é o escritor Obie (Daniel Craig), único branco num bairro de maioria negra (pobre) e coreana (dona do mal-ajambrado comércio local). O lugar é uma panela de pressão. Uns furtam dos outros, gangues proliferam e a polícia reprime com violência.

    Nada vai bem nas casas de Millie e Obie, frequentemente assoladas pela tensão dos arredores. E piora quando os protestos irrompem e esses dois sujeitos são confrontados pela violência iminente.

    "Acredito que o cinema pode gerar compreensão ao lidar com esses traumas da sociedade", disse a diretora ao público após a sessão. Esse é seu segundo longa; antes dele, veio "Cinco Graças" (2015), indicado francês ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

    Em "Kings" ela insere momentos de humor quebrando a tensão da trama, cacoete que também macula outro filme contundente em Toronto, "Three Billboards Outisde Ebbing, Missouri", de Martin McDonagh. Numa das cenas, os dois protagonistas têm de fazer macaquices para se desvencilharem de algemas.

    A diretora se justifica: "Os protestos foram uma tragédia imensa. Mas também permitiram transgressões e momentos de absoluta liberdade entre os manifestantes".

    A crítica exaltou o esforço em revisitar o episódio em tempos em que os conflitos raciais voltam a tomar o noticiário nos EUA. Mas o tom cômico não foi bem visto.

    "É o que desqualifica a tentativa compassiva do longa de mostrar os desafios de manter uma família unida em tempos de conflito", cravou a revista "The Hollywood Reporter". Para a "Indie Wire", que deu ao longa duas estrelas (de um total de cinco), "Kings" é "tão determinado em ser esperançoso que se esquece de ser honesto".

    O tema da tensão racial perpassa outros títulos em exibição na mostra canadense.

    A segregação é um dos eixos de "Suburbicon", de George Clooney, que aborda a questão sob o ponto de vista de uma família negra que se muda para um idílico subúrbio branco americano. As afrontas crescem ao longo da trama: comentários racistas evoluem para a construção de cercas ao redor da casa e descambam para a violência.

    Também é abordado em "The Upside", de Neil Burger, remake americano do francês "Intocáveis" (2011), agora com Bryan Cranston no papel de um milionário tetraplégico que cria uma ligação com seu cuidador, um desempregado negro com antecedentes criminais vivido por Kevin Hartt.

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