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    ANÁLISE

    Catártico, Emmy serviu a vingança liberal anti-Trump

    LUCIANA COELHO
    COLUNISTA DA FOLHA

    19/09/2017 02h00

    Rex Shutterstock/Zumapress
    Stephen Colbert durante apresentação na cerimônia do Emmy 2017
    Stephen Colbert durante apresentação na cerimônia do Emmy 2017

    O veredicto foi unânime e arrancou aplausos: a edição 2017 do Emmy, principal prêmio da TV americana, foi extremamente política. Mais que isso, foi assertiva e ousada, chegando a surpreender como raramente esse tipo de autocelebração faz.

    O incontornável ficara claro desde antes de os envelopes serem abertos no domingo (17). Da escolha do apresentador –o mordaz Stephen Colbert, que ascendeu com um talkshow em que satirizava entrevistadores conservadores– aos indicados, obras sobre questões caras aos progressistas, sabíamos que a política transpiraria da tela.

    Contemplar minorias e encadear discursos críticos foi apenas consequência.

    Este Emmy, o primeiro sob a presidência de Donald Trump, resulta da guerra que o republicano vem travando com os meios e veículos liberais, notadamente jornais, humorísticos que o criticam e o meio artístico em geral, progressista e mais próximo do Partido Democrata. É esta a chave para entendê-lo.

    A Academia de Televisão, dona do prêmio, é, na essência, uma associação de classe. E há enorme desconforto no segmento artístico com as políticas trumpistas, sobretudo para mulheres e minorias.

    Quando Alec Baldwin recebe o prêmio de melhor coadjuvante cômico por seu Trump em "Saturday Night Live" e ressalta que a arte é mais importante que a política porque conforta as pessoas, o recado está dado. A noite foi a vingança liberal possível contra Trump.

    Há apetite do público para essa programação, e canais de TV (e streaming) não são tolos. Sete em dez americanos se dizem insatisfeitos com o governo, segundo aferição do Gallup publicada nesta segunda (17).

    Embora o descontentamento fosse alto sob Barack Obama, a popularidade do democrata ia melhor –com Trump, paira em 35%; Obama se despediu com 59%.

    Não é por acaso que uma série como "Handmaid's Tale", adaptada de um livro de 1985, chega ao ar agora; ou que os produtores da série "Black Mirror" inscrevem como telefilme justamente o episódio sobre um casal lésbico perseguido, "San Junipero"; ou que uma série que fala de abuso doméstico, "Big Little Lies", arranca aplausos e prêmios; ou que vejamos protagonistas negros, paquistaneses e filhos de imigrantes recebendo e entregando prêmios.

    Se foi ousado e assertivo, o Emmy tampouco abdicou da justiça. As três produções contempladas com os prêmios máximos refletem de fato o que de melhor foi feito no ano. São as que captaram o momento –por isso, não, não houve injustiça com a árida "Westworld" e a simplória "Stranger Things".

    Para os que creem que séries, enfim, se equiparam a arte, este Emmy serve de lastro. E não há arte sem contexto, expiação e catarse.

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