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    CRÍTICA

    Mensagem enviada por Aronofsky em 'Mãe!' é de matar de tédio

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    20/09/2017 02h00

    MÃE! (ruim)
    (Mother!)
    DIREÇÃO Darren Aronofsky
    PRODUÇÃO EUA, 2017, 16 anos
    ELENCO Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris
    Veja salas e horários de exibição

    *

    Em "Mãe!", a câmera fica quase todo o tempo colada no rosto ou nas costas de Jennifer Lawrence, que vive numa casa cheia de escadas e de onde ela não tem o hábito de sair. Em outras palavras: quando não é câmera que trepida, quem trepida é ela. Pode não ser uma experiência para os olhos, mas é, com certeza, uma prova para a vista.

    Jennifer vive com um esquivo marido escritor (Javier Bardem) numa casa que no passado pegou fogo. Ela a reconstituiu pessoalmente. No momento dá os últimos retoques na pintura. Talvez isso não sirva para resolver certos problemas, como o da insolação, pois mesmo nas cenas diurnas, nota-se logo, o sol não entra: os personagens estão em contraluz permanente (outra prova para os olhos).

    Mas, entenda-se, Darren Aronofsky desta vez visita o reino do terror. Como bem diz o título, a maternidade aqui é uma questão. Isso pode dar a impressão de que estamos diante de um "remake" de "O Bebê Rosemary", pois Bardem se enturma com estranhos visitantes que aparecem por lá (uma casa longe de tudo) saídos não se sabe de onde com o mesmo entusiasmo com que deixa a mulher de lado.

    Primeiro vem o médico, depois a mulher do médico, depois vêm os dois filhos...

    Desde o início, Jennifer quer ver aquela gente longe dali. Mas Javier só a leva na conversa: um pedido de desculpas aqui, um "está tudo bem" ali... Sabemos que não está tão bem, pois ele é chegado demais nos estranhos. Estes, por sua vez, sentem-se cada vez mais em casa.

    Só depois de certo tempo e de uma festa-velório bem macabra (o melhor momento do filme), o marido concede em ter uma relação sexual com a mulher. Mal filmada, diga-se (parece que David Cronenberg foi o último a saber filmar com alma as relações carnais). Mas Jennifer amanhece maquiada, feliz e, sobretudo, grávida.

    Já temos aí uma hora de filme e, enfim, o longa promete algo mais que trepidações da câmera, evasivas de Bardem, escuridão e, sobretudo, queixumes da dona de casa, cuja morada vai sendo invadida por quem quer que apareça.

    Daqui por diante talvez haja alguns indícios de como seria o final. Talvez seja melhor os mais preocupados com isso pararem por aqui. De um pulo vamos ao final da gravidez, sempre à espera desse bebê desnutrido de Rosemary. É quando Aronofsky nos surpreende. Não, a celebração da vida a que Javier tanto se refere não tem a ver com Jennifer Lawrence dar à luz um anticristo que estabeleça o império do mal entre nós.

    O que se anuncia é algo muito maior, algo de fato apocalíptico: uma alegoria. Quando Jennifer, enfim, depois da baderna burlesca que se estabeleceu na casa (e que por vezes lembra cenas dos Irmãos Marx), pergunta ao marido quem ele é, Javier responde, biblicamente: "Eu sou quem eu sou".

    Estamos, portanto, na esfera do filme de "terror de arte", aquele que se vende como reflexão profunda sobre o futuro da humanidade: não mais o mero combate entre o bem e o mal ou a luz e as trevas dos velhos tempos. Agora é como se, irritado com os homens, Deus nos mandasse plantar batatas, ou algo assim.

    Em outros tempos alguém lembrou aos cineastas europeus que, na América, quando alguém queria mandar uma mensagem, usava a Western Union ou similar. Bem, Aronofsky manda a sua por filme mesmo: é escura e de matar de tédio.

    Veja o trailer de filme 'Mãe!'

    Veja o trailer de filme 'Mãe!'

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