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    Rapper de etnia guarani, Kunumi MC faz versos sobre demarcação de terras

    AMANDA NOGUEIRA
    DE SÃO PAULO

    04/10/2017 02h05

    "'My Blo...' Como é o nome mesmo?", pergunta Kunumi MC, 16, rapper de origem guarani sobre o título de seu álbum de estreia, "My Blood is Red", lançado em junho. "Vou falar em português mesmo: 'Meu Sangue é Vermelho'."

    As seis faixas, que levam nomes como "Guarani Kaiowá", "Justiça" e "Tentando Demarcar", têm como temas comuns o cotidiano e a luta dos povos indígenas por direitos e terras. Uma inédita gravada com o rapper Criolo deve ser lançada em breve.

    O título impronunciável pelo criador da obra replica o de um documentário que tem nele seu fio condutor.

    Produzido pela inglesa Needs Must Film, que viabilizou o álbum, e com estreia prevista para o ano que vem, o filme percorre com o jovem aldeias do Brasil para mostrar o cotidiano e os percalços de diferentes grupos étnicos.

    Kunumi emergiu como garoto-propaganda da causa indígena na Copa do Mundo de 2014, quando, em campo com outros adolescentes para soltar pombas antes do jogo de abertura entre Brasil e Croácia, levantou uma faixa, que trazia escondida no calção, pedindo "demarcação".

    "Não é que eu não soubesse o que era demarcação, mas eu não entendia sua importância", afirma. Então com 13 anos, o garoto realizou o ato, articulado por um dos líderes da aldeia, escondido de seu pai, com receio de que ele o impedisse ou se aborrecesse.

    "Não sabia que ele tinha feito esse ato, porque a televisão não mostrou", conta o escritor e pai do rapper, Olívio Jekupé, 52. Ele só saberia do ocorrido no dia seguinte, ao ver a foto do filho viralizar nas redes sociais.

    "Fiquei contente pelo ato que ele fez, há muitos anos dou palestra falando sobre a demarcação, e o que meu filho fez sem falar uma palavra convenceu o mundo de que os povos indígenas têm que ser respeitados", diz Jekupé.

    O KUNUMI CHEGOU

    Nascido e criado na aldeia de Krukutu, na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo, Werá Jeguaka Mirim -seu nome verdadeiro- tornou-se rapper para mostrar a realidade sob o ponto de vista dos indígenas –tarefa que ele, como o pai, acha difícil executar por meio da literatura, pelo descaso editorial.

    Quando criança, escreveu uma autobiografia em que narra o dia a dia de um garoto –"kunumi", em guarani, palavra que no português derivou em "curumim".

    "Na cidade, existe esse preconceito de que o índio não pode ser escritor, tem que ser só contador de história, não pode saber ler nem escrever, não pode ser doutor nem ir à escola, mas, ao mesmo tempo, quando a gente não faz isso, falam que somos um povo sem cultura, sem religião, isolado na mata", diz o rapper.

    Na aldeia em que Kunumi construiu a própria casa sobre o chão de barro ainda à mostra, boa parte dos moradores possui um celular com internet, WhatsApp e Facebook. Quando Kunumi aprendeu a ler, seu pai criou para ele perfis nas redes sociais.

    "Assim conheci vários amigos e também uma pessoa importante para mim, que foi a Kamila", diz sobre a mulher, 18, com quem tem um filho, Cristian, de 6 meses. "Foram dois anos namorando pelo Facebook até que fui à aldeia dela, em Bertioga, e logo de cara a pedi em casamento."

    Nas redes, encontrou também artistas que lhe abriram caminho no rap, como o grupo guarani mato-grossense-do-sul Bro MC's. Entre suas referências musicais, Kunumi cita Rashid, MC Guimê e Racionais. Mas encontra em Sabotage sua "maior inspiração".

    Sua fala pausada e em voz baixa se transforma com ritmo e agressividade moderada ao entoar os versos, tanto em português como em guarani.

    "Vários indígenas têm talento e não usam para lutar e batalhar simplesmente porque os preconceitos são muito fortes. Basta crer e confiar."

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