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    crítica

    Forma contida faz de 'Churchill' filme belo, mas ao qual falta alma

    SÉRGIO ALPENDRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    05/10/2017 01h05

    CHURCHILL (regular)
    (Churchill)
    DIREÇÃO Jonathan Teplitzky
    ELENCO Brian Cox, John Slattery, Ella Purnell
    PRODUÇÃO Reino Unido, 2017, 12 anos
    Veja salas e horários de exibição.

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    Tudo está no seu lugar em "Churchill", quinto longa-metragem de Jonathan Teplitzky (de "Uma Longa Viagem"). A começar pelo respeito que o diretor tem por seus atores, principalmente por Brian Cox (como Churchill) e Miranda Richardson (como sua companheira).

    Vemos o mais famoso dos primeiros-ministros britânicos no período que antecedeu o famoso Dia D, do desembarque na Normandia, uma ofensiva que ele inicialmente reprovava e temia por ser arriscada demais.

    Não vemos uma cena de guerra sequer. Alguns soldados são mostrados, mas nunca durante a batalha. Acompanhamos apenas os bastidores, as inúmeras discussões daqueles que queimam neurônios atrás de grandes mesas.

    "Churchill" é um filme de texto e de atores. Teplitzky confere certa elegância à representação. Sua câmera está frequentemente postada a uma certa distância da ação, o que nos convida à contemplação, especialmente nos longos momentos em que Winston Churchill se consome em dúvidas e receios.

    Quando se aproxima do rosto dos atores, geralmente é para captar um pouco da intensidade que deles se desprende. Como se trata dos dias anteriores à jogada decisiva, tudo é intensidade. Churchill está como um barril de pólvora com o pavio já se esvaindo.

    E aí encontramos o principal problema, justamente no "tudo em seu lugar", que está em desacordo com o "tudo é intensidade". A forma do filme parece querer conter essa intensidade, não deixando muito espaço para o jorro, o tortuoso, o inesperado, em suma, a invenção.

    Temos muito cálculo, algum rigor, mas falta alma. Ou, ao menos, a alma que há no filme, e vem dos atores, está sempre represada pela forma. E a forma, para o filme funcionar, teria de ser mais modulada, ou ainda mais rigorosa, o que resultaria em outro filme, algo como um longa de Béla Tarr (e nesse caso os atores é que seriam inadequados).

    Os duelos morais entre Churchill e Dwight Eisenhower, por exemplo, sugerem essa contenção, talvez inconscientemente. O Churchill composto por Brian Cox está sempre à beira da explosão (de que outra maneira interpretar uma personalidade tão carismática?).

    O Eisenhower de John Slattery (outro ator extraordinário) procura se conter para dominar o opositor pela frieza e pela compostura. Sabe que sua única chance é o clamor da razão, da censura às explosões emocionais que poderiam colocar em risco a estratégia de guerra (mas que, por outro lado, são importantes como forças de motivação).

    Talvez o sucesso de Eisenhower seja o fracasso do filme. A contenção soterra o risco. Há uma única exceção: o momento em que a jovem secretária Helen Garrett (Ella Purnell) dá uma ousada bronca em Churchill. E só.

    Parece que estamos vendo uma partida de futebol em que um time convence o outro de que o melhor placar é o zero a zero.

    Por mais que o momento tão esperado do discurso final, o famoso "We shall never surrender", emocione, o que temos, no geral, é um filme dentro de uma redoma artística em que ele se preserva como intocável, distante. Uma obra de belo visual, mas protegida por um espesso pedaço de vidro.

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