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    Lançamento de dramaturgia visa tirar Plínio Marcos do nicho dos 'marginais'

    INÁCIO ARAUJO
    DE CRÍTICO DA FOLHA

    07/10/2017 02h00

    No momento em que a Funarte lança os seis tomos das "Obras Teatrais" de Plínio Marcos, seu organizador, Alcir Pécora, evita usar a palavra "marginal" seja a propósito do autor de "Dois Perdidos Numa Noite Suja", seja de seus personagens.

    "Outro dia fizeram uma homenagem a Helena Ignez", diz o professor titular de Teoria Literária da Unicamp, "e a chamaram de musa do cinema alternativo".

    "Por que simplesmente não dizem que a homenagem é à grande atriz do cinema brasileiro Helena Ignez? Essas palavras, marginal, alternativo etc. servem para acomodar a pessoa em um nicho, mas ao mesmo tempo a isolam ali. Ser marginal é uma limitação, um estigma."

    Essa é uma questão em que Pécora pensa não é de hoje.

    Antes de Plínio Marcos, organizou as obras de Hilda Hilst e Roberto Piva: "autores incômodos, mas nada marginais". Sim, Pécora aprecia os autores que incomodam na medida em que não se acomodam, não se sujeitam aos cânones do momento, recusam o aplauso fácil.

    Seria esse o caso de Plínio Marcos? Sim e não. Plínio beirou a unanimidade nos anos 1960: foi o ponta de lança do que se chamou na época "nova dramaturgia" brasileira.

    Fez sucesso no teatro e no cinema com "Navalha na Carne", "Dois Perdidos numa Noite Suja", "Quando as Máquinas Param", entre outras. Atuou em novelas, publicou contos e crônicas em jornais.

    Já no final da década, no entanto, a censura se abateu pesadamente sobre seus textos —ele chegou mesmo a ficar preso no 2º Exército.

    Quando a censura amainou, a partir de meados dos anos 1970, o interesse pelo lumpesinato, que tanto interessava ao autor, declinara.

    Plínio começava a sair de moda, tendência que se acentuou desde então até sua morte, em 1999. Não falta, aliás, quem se lembre dele vendendo edições de seus escritos nas filas de teatro. O autor de certo modo passara a integrar o mundo que descrevera.

    Daí a questão: que interesse teria a leitura (e a montagem) de Plínio hoje que justifique o trabalho de quatro anos que o professor e crítico literário desenvolveu com ajuda da família do autor?

    (Walderez de Barros, que foi casada com o escritor até 1984, estabeleceu o texto final das 29 peças compiladas, a partir dos critérios filológicos fixados por Alcir Pécora).

    "O trabalho de Plínio hoje é de uma atualidade extrema, explica Pécora. "Quando ele escreveu, falava desse mundo lúmpen que era então diminuto: era gente que dava golpes para sobreviver, biscateiros, desempregados, presidiários. Eu diria que hoje esse mundo se expandiu, está em toda parte. Jogue algo no lixo. Em minutos aparecem pessoas para disputá-la."

    Parecido é o caso dos desempregados crônicos, operários sem trabalho numa indústria que se sofisticara.

    "Era gente que vinha do campo, sem especialização. O Guarnieri, por exemplo, falava do operário organizado, sindicalizado. O Plínio, de pessoas isoladas, sem eira nem beira. Hoje, com a informática, imagine quantas pessoas não têm mais função na indústria, nas oficinas... "

    Para Pécora a sociedade se "lumpenizou". O mundo que Plínio descreveu como "um universo limitado, específico, hoje é o nosso mundo". "Daí suas peças serem mais do que nunca importantes para compreender o que vivemos".

    Assim, o par de sapatos que o Tonho de "Dois Perdidos" tanto cobiça, porque "o levaria a uma existência bem-sucedida" dá uma dimensão do objeto como valor extremo para um personagem necessitado. Na visão de Pécora, hoje o valor do objeto se esvaziou ao banalizar-se.

    "As relações ferozes que os lumpens viviam hoje são relações comuns, entre ricos ou pobres: hoje a posse de um objeto não leva a nada, trata-se de um valor em si."

    Sobretudo as peças do final da vida encerram uma visão política muito importante para o entendimento do século 21, diz o organizador.

    "Relidas hoje, elas vão do final da ditadura até 1994 ou 95, quando o Plínio já anuncia a falência da Nova República. Ele é impiedoso com os políticos, e já prevê a desorganização do poder que vivemos hoje com muita clareza".Não deixa de ter um lado trágico.

    OBRAS TEATRAIS
    AUTOR Plínio Marcos (org. Alcir Pécora)
    EDITORA Funarte
    QUANTO R$ 35 cada volume; até 31.out, promoção de R$ 120 pelos seis volumes (pelo e-mail livraria@funarte.gov.br)

    Edição impressa

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