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    Moda

    Estilista da Hermès defende elegância clássica e legado da grife para vida real

    PEDRO DINIZ
    ENVIADO ESPECIAL A PARIS

    10/10/2017 02h00

    Inez & Vinoodh/Divulgação
    A estilista francesa Nadège Vanhee-Cybulski, 39, diretora criativa da Hermès
    A estilista francesa Nadège Vanhee-Cybulski, 39, diretora criativa da Hermès

    O que uma grife precisa fazer para entrar na vida das pessoas? Há uma fórmula em voga: pague uma blogueira; atualize seu Instagram diariamente; contrate um estilista "superstar"; esteja nos tapetes vermelhos; e lance ao menos oito coleções por ano. Ou pegue o caminho mais difícil: tente ser a Hermès.

    Fora do circo de "likes" e das tendências, a marca francesa –a segunda mais valiosa do luxo– só atrás da Louis Vuitton, nada contra a corrente para manter vivo um estereótipo de elegância atemporal tipicamente francês, guardado há dois anos por Nadège Vanhee-Cybulski, 39.

    Diretora criativa da marca, a estilista cravou na semana de moda de Paris, no início do mês, um novo conceito do que são os clássicos, derrubando a ideia de que precisem ser chatos ou cheirarem a mofo.

    A coleção primavera-verão da Hermès, talvez a mais chique das parisienses, tida pela crítica como a melhor de Nadège desde sua entrada na etiqueta, faz de um simples casaco uma capa cortada com o melhor couro do mercado, estampado com precisão e tingido com cores sólidas criadas nos ateliês da marca.

    São peças desenhadas para se adequarem a corpos em movimento, livres da rigidez da tesoura clássica.

    "É um estudo sobre como a roupa pode influir nos nossos gestos e como os gestos podem mudar a roupa. O ponto central é como o clássico pode responder ao nosso tempo", diz Nadège Vanhee-Cybulski em entrevista à Folha.

    "Não trato de conservadorismo, mas do paradoxo entre uma imagem formal, quase minimalista, e o que há de mais simples no dia dia."

    Apesar de não se considerar "discípula" de Martin Margiela, papa do minimalismo e da alfaiataria europeia, ela fez parte do grupo de estilistas anônimos que trabalharam ao lado do belga na maison e aplica na vida o mesmo distanciamento dos holofotes preconizado pelo ex-chefe.

    Raras entrevistas fora do camarim, nenhuma controvérsia envolvendo seu nome, nenhum grupo de modelos prediletas e um ranço declarado quanto ao vaivém de estilos próprio da moda de hoje.

    "Eu realmente não quero fazer de mim algo a ser exibido. Em vez disso, mantenho minha liberdade de ir e vir. Não me imagino tendo a vida de Karl Lagerfeld [estilista da Chanel], não ir nem ao mercado. A vida é complicada demais para quem se expõe."

    Principalmente para uma geração de estilistas com menos de 40 anos, da qual Nadège faz parte, que vêm e vão com a mesma rapidez de um clique, demitidos dos cargos de chefia por não responderem às metas comerciais.

    "Ficou muito fácil botar a culpa na baixa de vendas no estilista. É um jeito simples que a moda corporativista tem para explicar uma queda, quando um bom desempenho [comercial] é fruto de uma estrutura gigantesca, de acessórios, roupas, marketing e tudo o que envolve a criação de um estilo."

    ANTICOLONIALISMO

    No caso da Hermès, vender o "lifestyle" significa se debruçar sobre a herança ligada ao universo da selaria –a marca tem os itens de equitação mais caros–, criado por Thierry Hermès (1801-1878) em 1837 e mantido até hoje.

    Até recentemente, a família do empresário, proprietária da etiqueta, teve de lidar com investidas de grandes grupos, em especial o LVMH –seu dono, Bernard Arnault, tentou comprar o controle acionário da marca numa operação frustrada pelas agências reguladoras. No imbróglio, de repercussão mundial, os herdeiros da marca concordaram em não vender as ações ao grupo de Arnault.

    Nadège acredita que a proteção do legado é uma das formas de a Hermès se manter fiel ao seu modelo de criação "sem pressão e sem imediatismo". "Conseguimos acompanhar as mudanças políticas e sociais do país sem nos apegarmos a números, que são importantes, mas não definem uma história", diz.

    Mas definem quem compra a grife. Nas lojas, um lenço seu gira em torno de R$ 2.500, e um vestido facilmente passa dos cinco dígitos. A bolsa Birkin de crocodilo, que tem fila de espera para compra, pode custar até R$ 1 milhão.

    A matéria-prima da marca, assim como seus artesãos, fala diversas línguas, embora os produtos sejam finalizados na França. O processo é lento, oneroso e para poucos.

    "Diferentemente de outras marcas de luxo, não temos a intenção de colonizar o mundo com nosso estilo."

    É o mundo, porém, que fornece a maioria dos insumos da etiqueta. Uma das raras controvérsias envolvendo a Hermès foi a descoberta, em 2015, de uma fazenda americana que criava crocodilos para a marca em condições degradantes. Após o furdunço, a grife disse ter endurecido as regras para os fornecedores.

    "Não extraímos a cultura de um povo e fazemos do nosso jeito. Nossa filosofia é encontrar os melhores materiais, os melhores artesãos e ir até eles para criar um padrão que se encaixe, que não seja um clichê". A seda brasileira está nessa lista de "excelência" e é usada pela marca na confecção de lenços e gravatas.

    Tanto quanto polêmicas, a Hermès evita os tapetes vermelhos, atitude rara na indústria. Desfiles de alta-costura também estão fora do radar.

    "Tapete vermelho é criação americana. A roupa é feita para parecer fabulosa, um momento específico que não tem a ver com o que criamos. Prezo por conforto, liberdade. Isso não é exatamente o que peças de alta-costura oferecem. Não é uma roupa real."

    REALIDADE VIRTUAL

    Sentada em um bistrô tipicamente francês, entre garfadas de salada e goles em água com gás, Nadège está a poucas horas de sua apresentação, e a "vida real" parece bater mais forte em sua cabeça.

    Com fala pausada e riso discreto, ela é da casta de estilistas que andam otimistas com os rumos da política do novo presidente Emmanuel Macron, de quem espera uma atitude inclusiva.

    "Realmente tenho esperança de que ele mude as coisas, que olhe a diversidade como um ponto positivo, que nos una como país", diz Nadège.

    "Se você tem uma geração de jovens não integrada, como a de hoje, com parte dela que odeia a França, isso é motivo para uma reflexão profunda", afirma, em raro momento que parece não relacionar vida e moda. Logo volta.

    "Há algo muito errado. Os jovens crescem olhando a vida perfeita do Instagram, meninas atléticas com sapatos Jimmy Choo, exibindo um senso de vida que não é real. É quase engraçado, mas, quando você olha de perto, é apenas um bom 'selfie'."

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