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    Ter um idiota na Presidência não é inédito, diz Tom Hanks

    MAUREEN DOWD
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/10/2017 02h10

    Tom Hanks passou uma década aperfeiçoando sua escrita e, em meio a todos os seus trabalhos como ator, diretor e produtor encontrou tempo para escrever um livro de contos chamado "Uncommon Type" (sem previsão no Brasil).

    Ele está percorrendo o país para promover o livro. "Você tentou escrever ao estilo de Anton Tchékhov?", pergunto. "Nossa, Tchékhov é o tipo de coisa que leio e nem consigo entender", responde Hanks.

    Nos perfis publicados sobre Hanks, coestrelas como Meg Ryan e Sally Field, fazem questão de dizer que ele é mais sombrio, mais complicado e até mais ranzinza do que se poderia imaginar, por sob a fachada de homem comum.

    E é interessante, se considerarmos que Hanks e Rita Wilson costumam ser celebrados como rei e rainha de Hollywood, que haja uma ponta de melancolia em muitos de seus contos sobre personagens de cidade pequena.

    Em "A Special Weekend", um menino de nove anos chamado Kenny é criado pelo pai resmungão e pela madrasta enérgica em uma cidade do norte da Califórnia -em companhia de uma legião de irmãos e irmãos, naturais e adotivos - porque sua mãe, uma linda garçonete abandonou o marido quando Kenny era pequeno.

    Ele passa o fim de semana de seu aniversário com a mãe, que chega envolta em uma nuvem de perfume, em um conversível vermelho que combina com a cor de seu batom.

    Os pais de Hanks se separaram quando ele tinha cinco anos, e a família vivia em Redding, Califórnia. "O conto não trata do que aconteceu de verdade, mas houve momentos em que pude estar sozinho com minha mãe ou meu pai e percebi que aqueles eram momentos especiais."

    O título do livro, "Uncommon Type" (tipos incomuns), se relaciona ao amor de Hanks por máquinas de escrever clássicas. Há cerca de 300 nas estantes do escritório de sua produtora, Playtone.

    Embora admita que não é "imune aos privilégios" -viajar de jatinho executivo é "literalmente como se viciar em crack"-, ele afirma que não teve dificuldade para escrever sobre vidas comuns, fora da bolha de Hollywood.

    Quando um dos contos, uma história fantasiosa que se passa no futuro sobre amigos que constroem uma espaçonave e viajam à Lua, foi publicado pela revista "New Yorker" em 2014, críticos saíram ao ataque. A "Slate" definiu o conto como "história medíocre que só passou pelos guarda-costas porque vem de Hollywood", e o "Chicago Tribune" definiu Hanks como "na melhor das hipóteses um diletante".

    "Não leia os comentários porque nada de bom virá deles", diz o ator. Pergunto se ele está tentando um Pegot (ganhar os prêmios Pulitzer, Emmy, Grammy, Oscar e Tony).

    Ele ri e diz que às vezes é preciso correr o risco de ser ruim, sair de seu espaço habitual, deixar que alguém o critique, e depois jogar coisas fora, e trabalhar ainda mais. Só assim você melhora.

    Sobre os papéis de vilões, cita dois personagens shakespearianos que gostaria de viver. "Ricardo 3º e Iago. Ricardo 3º era um cara deformado que se cansou de ser tratado como cachorro, e viu uma chance de se tornar rei da Inglaterra, e Iago é um cara que foi preterido numa promoção. Mas a vasta maioria dos vilões -o que querem que eu faça, que interprete Loki? Ninguém quer me ver nesse papel."

    Questionado sobre o escândalo de Harvey Weinstein, produtor acusado por diversas mulheres de assédio sexual ou estupro, Tom Hanks diz nunca ter trabalhado com ele.

    Por que Hollywood o protegeu, se todo mundo sabia de seu comportamento abusivo há décadas? "Não é parte da sociedade que as pessoas que têm poder se comportem assim e se safem?", rebate.

    "Não quero atacar Harvey, mas alguma coisa estava obviamente errada. Não se pode aceitar a afirmação de que 'bem, cresci nos anos 1960 e 1970, e portanto'... Cresci na mesma época. O que importa, acredito, é o que deseja de sua posição de poder. Conheço pessoas que adoram tentar seduzir subordinados, ou que adoram tornar as vidas deles péssimas só porque podem".

    Questionado sobre o presidente Donald Trump, ele diz que o republicano conseguiu ganhar, por muito pouco, porque as pessoas estavam cansadas do "contínuo Bush-Clinton" por 30 anos, e da "duplicidade" no discurso político.

    Para Hanks, exceto por algumas emendas constitucionais idiotas -como a da proibição ao álcool, que ele define como "absolutamente estúpida, contrária ao comportamento humano"-, os Estados Unidos sempre foram capazes de corrigir seu curso.

    "Não é a primeira vez que temos um idiota na Presidência dos EUA. É preciso passar por coisas que alterem consciências. A normalidade está sendo constantemente redefinida e é preciso ter fé, e ter paciência; é preciso aguentar essas coisas, a exemplo de nazistas carregando tochas por conta de uma questão fantasma sobre uma estátua erigida nos anos 1920". (ele defende a retirada dos monumentos)

    Aconselha manter o senso de humor. "Pode ser que ele seja a única munição que resta para derrubar os tiranos", ele diz. "Como disse Mark Twain, nada consegue resistir a um ataque de riso".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    UNCOMMON TYPE
    AUTOR Tom Hanks
    EDITORA Knopf
    QUANTO R$ 78,16 (416 págs. na edição impressa) e R$ 44,69 (versão digital), na Amazon

    Edição impressa

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