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    Em Paris, proibição do Museu do Louvre a escultura gera polêmica

    MAURÍCIO TORRES ASSUMPÇÃO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

    17/10/2017 02h04

    Heike Kandalowski/Divulgação
    Domestikator' foi exposta durante três anos em um parque de Bochum, na Alemanha
    'Domestikator', escultura-habitáculo do holândes Joop Van Lieshour, vetada no Museu do Louvre

    Após o fechamento da "Queermuseu", a interdição da mostra no Rio e o escândalo causado pela performance "La Bête", no Museu de Arte Moderna de SP, muitos olhos se voltaram à Europa.

    O farol da civilização, porém, pisca quando o maior museu do mundo interdita uma obra por razão duvidosa.

    Por um lado, a França irradia ideias arrojadas e nortes morais, sociais e políticos.

    Um museu como o d'Orsay, em Paris, lança campanhas para atrair o público jovem, sobretudo crianças, com slogans que deixariam o pastor-prefeito Marcelo Crivella (PRB) de topete arrepiado. "Tragam seus filhos para ver gente nua", diz um deles, sobre a tela "Mulher Nua Deitada" (1907), de Auguste Renoir.

    Mas, no outro lado do rio Sena, o Museu do Louvre acaba de vetar uma obra na tradicional Feira Internacional de Arte Contemporânea, que ocorre de 19 a 22 de outubro.

    "Domestikator", escultura-habitáculo de 12 m de altura que sugere um homem copulando com um animal, deveria ser exposta ao ar livre, mas a obra do ateliê holandês Van Lieshout não foi autorizada.

    Em público, a direção do museu culpou o calendário: não haveria tempo para que o trabalho fosse aprovado pelas comissões encarregadas.

    Contudo, como revelou o "Le Monde", o presidente do Louvre, Jean-Luc Martinez, foi explícito em carta enviada à direção do evento: "circulam rumores na internet que atribuem a esta obra uma visão brutal demais, que pode ser mal interpretada pelo nosso público tradicional".

    "É de uma hipocrisia total", reagiu o artista holandês Joop Van Lieshour. "Em Bochum (Alemanha), turmas inteiras de colégios vieram conhecer o 'Domestikator'." Para ele, "se crianças viram algo de sexual, é porque já têm idade para ver essas coisas".

    "É ridículo, senão ilegal!", protesta a advogada Agnès Tricoire, fundadora do Observatório da Liberdade de Criação, que defende artistas censurados. "Se seguirmos a lógica, teremos de listar telas que deveriam ser retiradas."

    A ONG francesa ressalva que a arte pode ter limites. A pedofilia, por exemplo, aceita na literatura (como em "Lolita", de Nabokov), é um dos tabus que provocam reações.

    Daí a definição de Tricoire: "A pedofilia num desenho é uma coisa. Mas, obviamente, jamais aceitaríamos que uma criança participasse de ato sexual numa obra de arte".

    Se na França a classificação por faixa etária se limita ao cinema e ao teatro, como no Brasil, nos museus ela fica por conta do curador.

    A direita francesa pode ser atuante, como demonstrou em protestos contra o casamento homossexual. A escultura "Dirty Corner", do judeu Anish Kapoor, é bom exemplo. Exposta nos jardins do Palácio de Versalhes, a obra recebeu pichações antissemitas em setembro de 2015.

    Meses antes, a escultura inflável "Tree", do americano Paul McCarthy, que lembra um brinquedo erótico, já havia sido vandalizada no centro de Paris, enquanto o artista recebia bofetada de um moralista mais exaltado.

    Em tempo: o museu Centre Pompidou, também em Paris, já se ofereceu para abrigar o 'Domestikator'.

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