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    41ª Mostra de SP

    CRÍTICA

    Força do coreano Hong Sang-soo vem dos tempos, atores e diálogos

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    19/10/2017 01h00

    Divulgação
    Cena do filme 'O Dia Depois', de Hung Sang-soo
    Cena do filme 'O Dia Depois', de Hung Sang-soo

    O DIA DEPOIS (ótimo)
    (GEU-HU)
    DIREÇÃO Hong Sang-soo
    ELENCO Yunhee Cho, Ki Joabang
    PRODUÇÃO Coreia do Sul, 2017
    QUANDO nesta quinta (19), às 22h40 (CineSesc); 21/10, às 21h15 (Marabá); 22/10, às 15h30 (Espaço Itaú - Frei Caneca); 25/10, às 21h40 (Espaço Itaú - Augusta); 26/10, às 20h (Splendor Paulista)

    *

    Certa manhã, bem cedo, um homem, Bongwan, toma café. Sua mulher entra, senta do outro lado da mesa, e começa a interpelá-lo. Por que sair tão cedo? Por que está emagrecendo? Por que mal come? Está namorando alguém?

    Bongwan hesita, nega, esquiva-se. Tudo é feito em um único plano: podemos observar os dois, suas reações, seus silêncios. A força da cena vem dos tempos, da permanência da câmera, do diálogo, dos atores e suas reações. Basta para notar que Hong Sang-soo é um cineasta muito especial.

    Pouco depois, Bongwan recebe em sua editora a bela jovem Areum, sua nova assistente. Ele é também um célebre crítico literário. Eles almoçam juntos. Areum pergunta-lhe por que vive. Bongwan diante dela está tão desarmado quanto diante da mulher.

    Bongwan diz a horas tantas que as palavras não conseguem traduzir a realidade. Areum lança-lhe novas questões. O que é realidade? Não será a realidade um sonho?

    A essa altura já nos perguntamos se essa é a garota que ele namora secretamente. A mulher de Bongwan não perde tempo fazendo tais perguntas: acha que é e pronto. Vai até a editora e começa a surrar a outra. Só que não era ela a namorada secreta do crítico. Ele, de fato, tinha se afastado dela, sua ex-secretária, diga-se de passagem.

    Já estava bem para um primeiro dia no emprego. Mas a coisa não termina aí. A antiga namorada (eles estavam separados) reaparece. Temos então três mulheres e um homem.

    A conta não importa: nos filmes de Hong é mais ou menos assim que funciona. Aqui há um tanto mais de Yasujiro Ozu no grande mestre coreano: um quê de melodrama, outro tanto de comédia.

    Mas de um para outro o mundo muda. Em Ozu, o homem era senhor do mundo. Hong nos coloca diante de um sujeito frágil, questionável, mas nunca questionador, ainda senhor do mundo, mas de um mundo em que seu domínio já é uma ficção.

    Será então o mundo das mulheres? Pode ser. Não que Hong veja grande futuro nisso. Entre si ou em relação aos homens elas podem chorar, mas nunca em vão: partem para cima sem sutilezas.

    Como a namorada, que ao ressurgir aconselha o editora demitir a nova secretária e ainda sugere que ele deva entregá-la à esposa como sua amante...

    Para ficar num exemplo. Mundo real ou sonhado, com Deus ou sem, as hipóteses propostas pelas personagens levam a um mundo nem de santos, nem de demônios. Somos mais seres levados por correntes, por acasos. Podemos chorar ou rir (também o filme: pode ser melodramático ou cômico, conforme o momento).

    Nesse discreto turbilhão, Bongwan fará suas escolhas. Ficará com isso e abrirá não daquilo. A vida é um pouco decepcionante, dizia Ozu, o fabuloso mestre japonês. É sim, responde Hong. Não como um eco: com suas próprias e magníficas imagens.

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