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    41ª Mostra de SP

    Crítica

    Com 'A Moça do Calendário', Helena Ignez se firma como autora

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    29/10/2017 12h00

    Divulgação
    Cena do filme "Cidadão Kane"
    Djin Sganzerla em cena de "A Moça do Calendário", filme dirigido por Helena Ignez

    A MOÇA DO CALENDÁRIO (ÓTIMO)
    DIREÇÃO Helena Ignez
    ELENCO André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla
    PRODUÇÃO Brasil, 2017, 14 anos
    MOSTRA dom. (29), às 20h20, no CineSesc; seg. (30), às 15h20, no Espaço Itaú - Frei Caneca; ter. (31), às 18h, no Reserva Cultural

    *

    Há pouco tempo, Alcir Pécora comentou o que considera absurdo: premiar Helena Ignez como "musa do cinema marginal". Dizer que alguém é marginal, argumenta o professor de letras da Unicamp, é um modo de lhe atribuir um lugar, mas, ao mesmo tempo, segregá-la. "Por que não dizer que o prêmio é para uma das maiores atrizes do Brasil?"

    Então, vamos começar de novo: Helena não tem nada de marginal e seu "A Moça do Calendário" muito menos. É, sim, o filme em que mais demonstra estar à vontade ao trabalhar num registro narrativo a um tempo incisivo e distendido. Filme de autora.

    A partir das desventuras do mecânico Inácio, fascinado pela imagem da moça cuja foto aparece num calendário, observamos um tanto considerável, embora não tudo, claro, de nossa cidade. Ou de nosso país? De nosso mundo...

    Ali estão as ruas de São Paulo, por onde as personagens passeiam fartamente. Ir de lá pra cá, mais ou menos sonhador, mais ou menos ao léu, é quase toda a vida de Inácio. Nesses passeios vemos do trânsito horrível até a penca de moradores de rua que se protegem sob um viaduto.

    Trailer

    A voz over da própria Helena assinala o que quer dizer sem sutilezas (no que preserva o estilo dos primeiros filmes com Rogério Sganzerla). Para descrever o trabalho de Inácio, logo chama o obeso patrão de "subcapitalista". Resume a história do protagonista: está "na base da pirâmide social" desde que rompeu com o pai latifundiário.

    A partir desse original paradoxo, desenha-se a precariedade da vida do rapaz. Econômica e afetiva: é por uma imagem que se apaixona. Pela típica pin-up, garota dos sonhos. Com um problema: ela pertence ao mundo dos sonhos que nos são oferecidos em troca do próprio mundo.

    Aqui, a garota tem, no entanto, sua realidade: milita no MST. Inácio e seus colegas parecem ter plena consciência dos riscos do presente para os trabalhadores.

    Aos poucos, "A Moça do Calendário" expande seu referencial: surgem Zé Bonitinho, Carmen Miranda, a ambiguidade sexual, o lumpesinato urbano típico do subcapitalismo brasileiro.

    São signos de um Brasil passado que se introduzem como veneno terceiro-mundista explodindo na cara de nossa pretensa modernidade.

    Divulgação
    Cena do filme "Cidadão Kane"
    Claudinei Brandão e André Guerreiro Lopes em cena de "A Moça do Calendário", de Helena Ignez

    Talvez esse resumo leve a pensar que esse é um filme tão sério quanto chato. Longe disso: trata-se de uma comédia de leveza sutil.

    "A Moça do Calendário" pode ser visto como sátira ou drama social. O certo é que Helena retorna aqui, de forma bem pessoal, ao espírito (popular) dos primeiros filmes com Sganzerla. O cinema como exercício de liberdade.

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