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    Crítica

    Morbidez de Haneke não se sustenta em seu 'Happy End'

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    30/10/2017 02h05

    Divulgação
    Complexo do Anhembi, na zona norte. Pavilhão de exposições e Auditório Celso Furtado ("pudim") todo o complexo é alvo de processo de tombamento no Conpresp.
    Cena de "Happy End", do austríaco Michael Haneke

    HAPPY END (REGULAR)
    DIREÇÃO Michael Haneke
    ELENCO Isabelle Huppert, Jean-Louis Trintignant, Mathieu Kassovitz, Fantine Harduin
    PRODUÇÃO França/Áustria/ Alemanha, 2017, 14 anos
    MOSTRA seg. (30), às 16h10, no Cinearte 1

    *

    "Happy End": em sua deslocada ironia, o título do novo filme de Michael Haneke já dá conta de como encara a humanidade.

    O que vem a seguir não o desmente. Estamos numa família de empreiteiros de Calais, França. À frente dela, Anne Laurent (Isabelle Huppert) tem, de cara, de justificar um vergonhoso desmoronamento e dificultar o máximo possível qualquer ação judicial das vítimas.

    É a pessoa mais sadia da família, diga-se, nesse filme que por vezes parece uma seleta das taras e desatinos dos personagens hanekenianos. O pai, Georges (Jean-Louis Trintignant), é uma continuação do marido de "Amor" (2012). Nele, há um tanto de senilidade, outro tanto de assassino, outro de suicida.

    Nisso não é muito diferente de sua neta, Eve, que substitui a senilidade pelo hábito de investigar o notebook do pai. E o que encontraremos no notebook de Thomas (Mathieu Kassovitz) não é menos do que o relato da relação amorosa que mantém com uma violoncelista. Relação em que o caráter neurótico não chega a justificar, aos olhos da menina, o que tem de pouco edificante.

    Aliás, Eve (Fantine Harduin) dirá de Thomas (irmão de Anne) que ele não ama ninguém, nem a ex-mulher nem a atual nem a amante. Ela é precisa na descrição, pois sabe que é igual ao pai. Sabe, aliás, que é como toda a família.

    Trailer

    Ainda que possa suscitar, aqui e ali, risos na plateia, as aventuras dos Laurent destinam-se a repetir novamente o pensamento do cineasta a respeito do ser humano: somos uma espécie repulsiva, condenada ao assassinato ou ao suicídio. À autodestruição, em todo caso.

    Ainda que aceitemos a ideia, será preciso convir que se trata de algo de uma platitude quase sem fim, apenas temperada pelo hábito do austríaco de levar a extremos tão desprezíveis os seus personagens que chegam a parecer profundos em sua soturna decadência, em seus males mentais incuráveis.

    No mais, o diretor volta a tomar a morte como namorada. Morte da mãe de Eve, morte horrível da mulher do patriarca, tentativas de suicídio, espancamentos etc. Sim, qualquer ser humano se preocupa com a morte, de maneira mais ou menos ostensiva.

    É possível que sejamos uma espécie doentia. Seríamos muito mais se nos deixássemos levar por essa espécie doentia de raciocínio a respeito do fim (é, por sinal, o inverso daquilo que sugere Agnès Varda em "Visages Villages").

    Para resumir: não se pode dizer que Michael Haneke seja um mau cineasta. Mas seu cinema sustenta-se sobre uma ordem de ideias não só mórbida como limitada.

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