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    Conhecida pela intensidade, atriz Célia Helena fundou há 40 anos sua escola

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    03/11/2017 02h05

    Parecia técnica de caratê, lembra o ator Renato Borghi sobre um golpe que a atriz Célia Helena desferiu numa mesa durante um laboratório.

    Foi um preparatório para "A Vida Impressa em Dólar", de Clifford Odetts, em montagem de 1961 do Teatro Oficina. Na fúria de sua personagem, deu um soco, e a mesa rachou ao meio. "Ela foi tomada de um ódio verdadeiro", diz Borghi. "A Célia era de verdade, nada era uma representação. Era uma vivência."

    A vivência ela depois transformou em educação, fundando uma escola de artes que leva seu nome, uma das pioneiras no ensino formal de teatro no país e que celebra 40 anos em 2017. No próximo dia 16, o aniversário da instituição será tema de um debate em São Paulo.

    Como "conceito", no entanto, a escola surgiu antes, afirma Lígia Cortez, filha da atriz e do ator Raul Cortez (1932-2006). Célia tinha 16 anos quando foi estudar interpretação com profissionais dos estúdios Vera Cruz. Por ser menor de idade, não podia entrar para a Escola de Arte Dramática da USP.

    A falta de opções na aprendizagem teria feito a atriz se interessar por novas formas de ensino. Ainda nos anos 1960, passou a dar aulas para jovens e crianças de bairros periféricos de São Paulo. Encenava peças em igrejas ou nos espaços que encontrava.

    "É o começo do exercício dela de formação", comenta Lígia. "Ela começou ali a construir uma linguagem na pedagogia do ator."

    Na década seguinte, alugou um imóvel no bairro da Liberdade. Ali, onde antes funcionava uma fábrica de carimbos, fundou sua escola, inaugurada em 1977 com um show de Maria Bethânia.

    STANISLÁVSKI

    Célia foi uma das primeiras a formalizar no Brasil um estudo de interpretação baseado no método de Constantin Stanislávski. Aprendeu muito com o russo Eugenio Kusnet (1898-1975), que atuava em São Paulo, quando ambos foram convidados a participar do primeiro trabalho do Teatro Oficina.

    "Ficamos ensaiando seis meses sem pagar salário para ninguém, porque a gente estava construindo o teatro", conta Borghi. "Kusnet era nosso professor de Stanislávski, e a Célia esteve muito atenta a tudo isso."

    Ela sempre era descrita pelos colegas como uma atriz intensa, dedicada aos papéis.

    Além da mesa, ela também teria partido ao meio um fuzil, quebrado nos seus joelhos, durante um laboratório da peça "Andorra" (1964).

    Fauzi Arap (1938-2013), que trabalhou com ela no Teatro Oficina, comentou em "Célia Helena, Uma Atriz Visceral" (Imprensa Oficial), de Nydia Licia, sobre a "capacidade de entrega" da colega. "Lembro que, certa vez, [o diretor] Zé Celso teve que ir buscá-la na rua, para onde fugira, possuída pela personagem."

    Célia seguiu trabalhando, aos poucos diminuindo a presença no palco e atuando mais como professora até próximo de sua morte, em 1997, vítima de câncer, aos 61.

    A veia artística ela também passou para as duas filhas, Lígia, que é atriz, e a diretora Elisa Ohtake, esta fruto do relacionamento de Célia com o arquiteto Ruy Ohtake.

    Hoje é Lígia quem coordena a instituição. A sede na Liberdade não existe mais (alugado, o imóvel foi pedido pelos donos há dois anos). Mas a escola conta com um espaço no Itaim Bibi, onde funciona o curso superior, com professores como Elisabete Dorgam e Samir Yazbek, e um braço no Pacaembu, com cursos de artes para crianças.

    Neste ano, inaugurou um curso de mestrado em artes cênicas e agora trabalha para digitalizar e disponibilizar na internet seu acervo.

    *

    40 ANOS DO CÉLIA HELENA CENTRO DE ARTES E EDUCAÇÃO: UMA HISTÓRIA DE MULHERES
    Mesa com Lígia Cortez, Júlia Ianina, Maria Laura Nogueira e outros
    QUANDO 16/11, às 20h
    ONDE Unibes Cultural, r. Oscar Freire, 2.500, tel. (11) 3065-4333
    QUANTO grátis

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