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    Crítica

    Cormac McCarthy investiga vidas transitórias em novo livro

    ALCIR PÉCORA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    10/11/2017 02h00

    Cormac McCarthy/HBO Films
    O romancista, dramaturgo e roteirista americano Cormac McCarthy
    O romancista, dramaturgo e roteirista americano Cormac McCarthy

    TODOS OS BELOS CAVALOS
    AUTOR Comac McCarthy
    EDITORA Alfaguara
    TRADUÇÃO Marcos Santarrita
    QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)

    *

    Boa nova! O selo Alfaguara lançou "Todos os Belos Cavalos" (1992), do romancista, dramaturgo e roteirista americano Cormac McCarthy. Trata-se do primeiro título da celebrada "trilogia da fronteira", que inclui "A Travessia" (1994) e "Cidades da Planície" (1998), editados pela Companhia das Letras.

    A intriga do livro é bastante simples: em 1949, um garoto de 16 anos criado numa fazenda do Texas pelo avô, após a morte deste, segue a cavalo com um amigo em direção ao México, em busca de trabalho como vaqueiro.

    No caminho, passa a acompanhá-los outro garoto, ainda mais novo, com a peculiaridade de ser hábil em armas e de estar montado num cavalo excepcionalmente belo, o que fazia suspeitar que o houvesse roubado e que traria confusão aos amigos.

    E é de fato o que acontece.

    Em termos gerais, é a forma de vida organizada em torno dos cavalos que move as ações e conduz ao amadurecimento viril do protagonista. Mas não são as ações propriamente que guardam o segredo do encanto do romance, e sim o seu andamento regular, denso, por vezes percorrido em câmera lenta.

    É ele que alinhava, num ritmo esplêndido, cavalgadas nas pradarias, habilidades quase mágicas dos peões, encontros amorosos furtivos, violências do sistema prisional corrupto, subentendidos, desentendidos e, acima de tudo, decisões bruscas que bifurcam definitivamente os caminhos.

    Para compreender esse andamento, vale notar alguns aspectos formais do romance, como o emprego reiterado de frases ligadas por coordenação sindética, quase sem vírgulas e com abundantes repetições de palavras, que tendem a dotar uma cena de acontecimentos diversos, igualmente nítidos, mas quase sem subordinação entre eles.

    Escolho um trecho ao acaso: "Quando o vento vinha do norte era possível ouvi-los, os cavalos e o resfolegar dos cavalos e os cascos dos cavalos calçados de couro cru e o matraquear das lanças e o arrastar constante dos trenós(...) e os jovens nus sobre vistosos cavalos selvagens(...) e tocando os cavalos velhos(...) e os cachorros trotando(...) e os escravos a pé(...) e acima de tudo o canto baixo do hino da jornada(...) e toda a lembrança como um graal(...)".

    Todos os Belos Cavalos
    Cormac McCarthy
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    É também notável a ausência de travessões nos diálogos, que gera alguma indistinção entre os interlocutores, e, ainda mais, entre as conversas das personagens e os comentários do narrador em terceira pessoa. É como se ele se aproximasse obliquamente dos eventos, surpreendendo-os a meio, insinuando mesmo que a fatalidade os precede, embora sem eximir a responsabilidade dos envolvidos neles.

    Tudo se passa, em resumo, num tempo de longa duração que insinua vidas transitórias, marcadas pela violência: migrações fantasmas, rastros inexplicáveis, gestos rompantes e imprevistos, enfrentados com cara, coragem e lealdade.

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