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    Oliver Stone defende palanque para Putin em livro de entrevistas

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    11/11/2017 02h00

    Divulgação
    O cineasta Oliver Stone durante filmagem de sua entrevista com o presidente russo, Vladimir Putin,
    O cineasta Oliver Stone durante filmagem de sua entrevista com o presidente russo, Vladimir Putin,

    "Vladimir Putin fala o tempo todo sobre respeitar a lei internacional, e ainda assim ele é apresentado como vilão. Isso precisa ser repensado. Isso não é teoria conspiratória, é fato conspiratório."

    Assim falou o diretor Oliver Stone, expoente máximo do cinema de teoria da conspiração, ao comentar o lançamento no Brasil em livro das transcrições das "Entrevistas com Putin".

    Stone na verdade escreveu, condensando o questionário feito pela Folha em dois blocos de respostas, modo de edição não muito distante do apresentado nas entrevistas.

    Elas foram realizadas de 2015 a 2017 e apresentadas em quatro capítulos pelo canal pago americano Showtime, e também no Festival do Rio.

    As 20 horas de conversas são mais fluidas num livro do que em 4 horas de TV, e trazem uma vantagem: o mar de notas fazendo a checagem de fatos e dados apresentados.

    O conjunto é valioso para quem se interessa por relações internacionais, mas embute o ônus de não trazer consigo a linguagem corporal austera e a vaidade e Putin visíveis nas imagens.

    O ponto alto perdido pelo leitor do impresso é o estranhamento do ex-agente da KGB Putin ao assistir trechos de "Doutor Fantástico" (1964), o seminal filme de Stanley Kubrick satirizando a relação entre soviéticos e americanos à beira do apocalipse na Guerra Fria.

    O estadista está presente na análise histórica de seu país e na visão sobre a relação com o Ocidente, em especial ao descrever a burocracia estatal como a verdadeira Presidência americana.

    É eloquente nos seus silêncios e negativas curtas. "Esperava que a mídia corporativa criticasse o trabalho. Ela é uma porta-voz do governo americano, que impôs sanções à Rússia. Não li um artigo sobre a Rússia nessas publicações que tenha se aproximado da realidade que eu vi", disse Stone.

    Apesar do discurso previsível do homem que trouxe ao mundo "JFK" e "Snowden", dois monumentos à paranoia antigovernamental, ele acerta ao criticar a tendência ocidental de marginalizar Putin.

    Para o diretor, "é um ultraje a falta de cobertura justa, quanto mais respeitosa", por parte da imprensa americana e europeia, sobre Putin.

    Não deixa de ser engraçado ver Stone ser admoestado por Putin, que questiona seu patriotismo por insistir que o russo assuma instâncias antiamericanas —o que ele se recusa a fazer.

    A vaidade de Stone fica explícita no título do projeto, que remete às históricas "Entrevistas de Nixon" conduzidas em 1977 pelo apresentador britânico David Frost.

    Stone exagera no seu ataque à mídia ocidental. Na média, ela elogiou o valor bruto do documento. Mas o destruiu como entrevistador que, enfim, Stone não é.

    A reabsorção da Crimeia em 2014, condenada amplamente apesar das nuances do processo, é vista como resultado de um mero referendo e o diretor corrobora a visão.

    Ao fim do trabalho com tons hagiográficos, cumprimenta o russo por seu trabalho pela paz e diz que ele tem de reagir ao Ocidente. Perguntado pela Folha se não temia ser visto como um apologista, ele se defendeu dizendo que a questão "combina com a crítica americana".

    "Eu acho que uma postura hostil iria se voltar contra mim e levar a respostas mais duras, que levariam o telespectador a aprender nada."

    Ainda assim, no último quarto do volume Stone consegue engatar perguntas objetivas sobre temas como a eleição de Donald Trump. Putin nega interferência e sugere que essa é uma prática dos EUA.

    Falta ao produto impresso o sabor de momentos curiosos, como Putin dirigindo um carro com Stone por Moscou ou lhe oferecendo café. Igualmente anódinos ficam episódios constrangedores de adulação, seja sobre o papel de Putin ou sua boa forma física.

    Também ficam deslocadas as polêmicas piadinhas de Putin. Uma misógina ("Não sou mulher, não tenho dias ruins"), outra homofóbica sobre o risco que um marinheiro correria se tentasse assediá-lo no chuveiro de um submarino.

    DIRETOR EVITA CRITICAR DITADURA DA VENEZUELA

    Ao longo das "Entrevistas", Dilma Rousseff, presidente que sofreu impeachment em 2016 e cuja gestão era próxima do Kremlin, é citada como "uma boa política" por Vladimir Putin.

    Oliver Stone, cujo filho tem um programa na TV estatal russa de língua inglesa RT, diz estar "muito preocupado" com a situação política no Brasil.

    "Pode haver uma guerra civil. Os intelectuais, os humanistas e os reformistas serão os primeiros a ir embora", escreveu em e-mail, aparentemente levando a sério a afirmação.

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    Admirador dos regimes de esquerda que surgiram nos anos 2000 na América Latina e fã declarado do ditador cubano Fidel Castro e do líder venezuelano Hugo Chávez, ambos já mortos, ele se esquivou ao comentar o desempenho da ditadura chavista implantada por Nicolás Maduro.

    "Não estou lá, não sei se Maduro tem as mesmas qualidades de liderança de Chávez. Não vou criticá-lo porque não estou lá para ver", disse.

    Stone recheou sua resposta com críticas à falta de isonomia crítica do que chama de "mídia corporativa" quando descreve a Colômbia ou o papel dos EUA na região. Para ele, os regimes esquerdistas ora em baixa no continente são demonizados.

    *

    AS ENTREVISTAS DE PUTIN
    AUTOR Oliver Stone
    TRADUÇÃO Carlos Szlak
    EDITORA BestSeller
    *QUANTO: R$ 44,90 (336 págs.)

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