O que acontece quando você coloca oito "bons cristãos" para rivalizar uns contra os outros num reality show evangélico batizado "Extreme With God" ("radical com Deus")?

Antes de dar o spoiler, falemos do programa criado pela filha do apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus –a oitava maior congregação evangélica de um país onde 32% da população se diz adepta dessa religião, segundo pesquisa Datafolha de setembro.

Fã do gênero, mas com restrições ao conteúdo "apelativo" que tanto lhe é atribuído, a pastora Raquel Santiago, 30, decidiu testar a fórmula que escorou hits como "Big Brother" e "No Limite".

Não espere puxões de cabelo, fofoca rolando solta, jovens com pouca roupa e muitos hormônios trocando carícias sob o edredom, à moda "BBB".

Eis a TV que Deus desaprova, diz Raquel à Folha: aquela com teor que provoque cizânia numa família, como quando "o pai assiste a algo que a criança não pode", ou "a esposa desconfortável com o que o marido quer ver". Problema: só aí, já se elimina boa parte da grade televisiva. A solução da pastora? Idealizar o "Extreme With God".

No reality o octeto de seis homens (Charles, Daniel, Genilson, Igor, Isac e Fernando) e duas mulheres (Guerda e Roberta) disputa provas numa propriedade cercada de mato que a Mundial tem em Santa Isabel (SP). Para o campeão, R$ 10 mil (0,66% do R$ 1,5 milhão oferecido pelo "BBB").

No ar desde outubro e com final prevista para meados de dezembro, o reality é um quadro do "Gerando Salvação" –exibido aos sábados (14h) e com reprise às quintas (20h), num canal no site da igreja.

Apresentado por Raquel, o programa conta com atrações como "Me Transforma, Pastora", que põe em ação "um time de especialistas para mudar o seu visual por completo e de maneira surpreendente".

A surpresa no "Gerando Salvação" do último dia 2 foi para o pai da pastora, conhecido pelo chapéu de caubói. A edição trouxe vídeos em homenagem ao aniversariante, gravados pelo governador Geraldo Alckmin (que saudou "o grande pregador" que "conquistou o coração do Brasil inteiro") e pelo prefeito João Doria ("meu querido amigo, parabéns pelos seus 54 anos").

Valdemiro prometeu fazer uma moqueca ao vivo -a deixa para sua filha anunciar o reality da casa. Os participantes, ela prometeu, teriam que resgatar peixes para a receita.

As provas, na maioria de resistência física, são travadas por concorrentes entre 29 e 46 anos, de profissões como pastor e cantor gospel. Incluem desafios como pescar do rio sacos com mantimentos –batata, macarrão, óleo-, enquanto um narrador elogia a equipe "que não perdeu o fôlego para louvar o bom Deus".

SEM PAQUERA

Clima de paquera? Zero, diz Raquel. "As duas mulheres são casadas, e os homens até brincavam: 'Prêmio de verdade seria trazer minha mulher e meus filhos para cá'".

A escolha da trupe dispensou processo de seleção, pois Raquel tinha pressa para tirar do papel o reality que "vai ao extremo sem perder a essência de Deus". Tudo foi gravado "em duas, três semanas".

"Queria para ontem, aí pegamos pessoas que trabalhavam no meio", afirma a pastora, que reconhece ser "uma pessoa muito competitiva".
Uma postura pouco cristã? Não necessariamente, diz.

Ao spoiler, pois: Raquel conta que, num trecho inédito, precisou intervir, ou por pouco o reality que criou não acabava em falta de pizza.

A iguaria seria servida ao time que triunfou numa prova. Àquela altura do campeonato, "todos estavam desesperados de fome, qualquer coisa servia para comer. [Os vencedores] ganhariam uma pizza".

Mas, na hora "h", os campeões "abriram mão de comer". Ponto positivo: "Foi ali que vi o quanto eles estavam unidos". Mas também levaram bronca da apresentadora.

"Tive que chegar e falar: 'Assim como vocês não se sentem justos em não dividir, eles também não podem se sentir justos em privá-los de algo que ganharam. Gente, não vamos esquecer que isso é uma competição. E ela tá na Bíblia: quanto mais é dado, mais é cobrado'", diz, evocando o Evangelho de Lucas ("de todo aquele a quem muito é dado, muito será requerido").

'GRAMÁTICAS PROFANAS'

A "apropriação das gramáticas televisivas profanas" é uma praxe da Mundial, segundo o pesquisador Alexandre Dresch Bandeira, doutor na gaúcha Unisinos com uma tese sobre estratégias midiáticas da igreja.
"Eles copiam o formato, travestem o quadro com linguagem gospel e colocam no ar. Se não dá audiência, retiram sem maiores prejuízos", diz.

"Como o apóstolo não tem nada a perder, porque são programas com estética kitsch, com produção de custo baixo, ele vai 'chupando' e adaptando os formatos copiados."

NA INTERNET
'Extreme With God'
Reality show gospel
Quando sáb., 14h, e qui., 20h, no site www.impd.org.br