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    Moda

    Casa de Criadores resgata espírito inquieto e político com nu e bandeiras

    PEDRO DINIZ
    COLUNISTA DA FOLHA

    13/11/2017 16h55

    Abraçada a temas ligados à igualdade racial e de gênero, homofobia, gordofobia e censura à arte, a Casa de Criadores terminou na última sexta-feira (10) consagrada como a plataforma de experimentalismo em moda mais relevante da América Latina.

    Descolada dos objetivos puramente comerciais das grandes passarelas de São Paulo, Medellín e Buenos Aires, para citar as mais importantes do hemisfério Sul, novos nomes da moda brasileira, como Isaac Silva, Diego Gama, Rafael Varandas e Rafael Nascimento resgataram o espírito inquieto e político do desfile.

    Em clara crítica à controvérsia em torno da performance de Wagner Schwartz, no MAM, na qual o artista, nu, teve um dos pés tocado por uma criança, Diego Gama encheu a passarela de pessoas despidas para apresentar uma coleção sobre o mito da fragilidade das relações humanas.

    "Sobnós", como chamou a performance, abriu o evento como espécie de resumo do tom político que, a depender da nova safra de designers, a moda brasileira pode assumir daqui pra frente.

    Gordos, magros, negros, brancos, loiros. Todos se tocavam enquanto roupas texturizadas remetiam à carapaça em que nos envolvemos. Terrosos, frágeis e desconstruídos, os tecidos se moldavam em diferentes proporções.

    As feridas da segregação racial também se manifestaram na performance de Isaac Silva, que levou pinceladas da indumentária afro à coleção embalada por versos sobre "empoderamento" e violência.

    A poeta Mel Duarte, famosa pelo evento Slam das Minas, a arquiteta Stephanie Ribeiro e o estilista Apolinário, da grife Cemfreio, assumiram o microfone.

    Modelos desfilaram peças cortadas com jeans da Vicunha Têxtil e malhas da Lunelli, costuradas sob o manto da estética "street" que é cara desse novo exército fashionista que tomou a passarela.

    VOZES URBANAS

    É desse tom urbano que saem as coleções mais consistentes pelo viés do mercado.

    A parceria de Rafael Varandas, marca da Cotton Project, com a grife Hangar 33, resultou numa coleção de clássicos do guarda-roupa formal mesclados aos da cultura jovem.

    Jaquetas com gritos de ordem e referências ao figurino punk foram combinadas a itens de alfaiataria, selando uma das coleções mais desejáveis da Casa de Criadores.

    O mantra "sem gênero" que permeia a nova cartilha dos criadores foi norte das grifes Martins.Tom e Another Place, ambas estreantes.

    Plástico e ainda assim comercial —melhor dos mundos para em uma coleção de passarela—Tom Martins se inspirou em Clara Nunes (1942-1983) para cortar blusas, vestidos e calças amplas cujas cores neutras, detalhes em renda e ombros à mostra guardavam relação com o figurino da cantora estudada.

    Por sua vez, a Another Place reuniu seu portfólio de moletons, macacões e tops com acabamento esportivo.

    A logomania que assola o varejo é distribuída de maneira harmônica pela coleção, que, pela primeira vez na curta história da marca, apresenta cores para além do P&B de outrora. Um meio entre o final dos 1990 e os primeiros anos dos 2000 formaram as ideias lançadas pelo pernambucano Rafael Nascimento.

    Ainda no escopo do "streetwear", Rafael Caetano leva o termo para a noite. Ciente de sua clientela, majoritariamente LGBTQ, ele aplicou nas roupas estampas, contornos e sombreados do unicórnio, animal fantástico que virou mascote da comunidade gay.

    A criatura também é símbolo do time de futebol Unicorns, homenageado pelo estilista. Os jogadores, todos gays, posaram no final do desfile com seu estandarte, lembrando que, além de roupas, é próprio da moda levantar bandeiras.

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