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    Precisamos parar de ver os jovens como idiotas, diz diretor francês

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    DE SÃO PAULO

    16/11/2017 02h05

    Jerome Prebois/Divulgação
    Daniel Johnston, a singer-songwriter, at home in Waller, Texas, Sept. 26, 2017. Johnston has battled manic depression and schizophrenia most of his adult life, and in recent years endured multiple physical ailments, including diabetes, a kidney infection and hydrocephalus, but will soon go on tour that some have billed as his last. (Bryan Schutmaat/The New York Times) ORG XMIT: XNYT239 DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Integrantes do ateliê de 'A Trama' passeiam pelos estaleiros de La Ciotat

    A juventude e sua visão de mundo voltam à filmografia de Laurent Cantet em "A Trama", que estreia no circuito brasileiro nesta quinta (16).

    Se em "Entre os Muros da Escola" –vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008– Cantet recorria ao universo escolar para mostrar uma França diversa (com imigrantes árabes e africanos) e questionar as crises da civilização contemporânea, aqui o francês se volta à falta de diálogo de uma geração perdida.

    O filme acompanha um ateliê de escrita para jovens de La Ciotat, no sul francês, ministrado por uma autora de romances policiais (Marina Foïs). Influenciado pela ascensão de ideias xenófobas e de extrema direita, um dos alunos, Antoine (Mathieu Lucci), acaba criando tensão nas aulas, composta de estudantes brancos, negros e árabes.

    Em passagem pelo Brasil na última semana, Cantet conversou com a Folha.

    *

    Folha - Para 'A Trama', o sr. e [o corroteirista] Robin Campillo se inspiraram num programa do fim dos anos 1990?

    Laurent Cantet - Sim, num ateliê de escrita que começou há 20 anos, após o fechamento dos estaleiros navais de La Ciotat. Foi um trauma, e a prefeitura quis que os jovens se reconectassem com seu passado [coordenado por Stéphanie Benson, o ateliê deu origem ao livro "Bienvenue en Enfer" (bem-vindo ao inferno)]. Eu queria ver como os jovens vivem nossa época, e achei que o ateliê seria um bom espaço para discussão.

    O filme traz também um embate entre gerações. Por quê?

    Isso me interessava, a nostalgia que existe em La Ciotat, uma cidade carregada de história, e esses jovens de hoje que reagem no imediatismo. Acho que há uma fratura na nossa visão sobre os jovens, um olhar superior. Temos que parar de vê-los como idiotas que não entendem o mundo. É muito perigosa essa estigmatização.

    Trailer

    Como em outros filmes seus, o sr. usa atores amadores. Como foi trabalhar com esses jovens?

    Queria entender como eles pensavam. Fizemos um roteiro preciso, mas sem reproduzir o modo como um jovem fala hoje. Depois improvisamos por três semanas. Queria que eles se apropriassem dos diálogos com suas palavras. E que levassem para a história sua relação com a internet.

    Essa influência da internet sobre jovens e sobre a ascensão de ideias extremistas tem grande debate em 'A Trama'.

    Sim. O que me atraiu foi ver como a internet é uma ferramenta de sedução usada pelos extremistas. Porque Antoine é atraído pela direita, mas ele poderia ter ido ao jihadismo, a qualquer extremismo.

    Quando se está perdido na vida, como ele, e chega uma pessoa que te dá sentido, claro que isso seduz. É um dos mecanismos que explicam a ascensão da extrema direita na França e em todo o mundo.

    De que forma os recentes atentados influenciaram o roteiro?

    Assim que terminamos uma primeira versão, aconteceu o atentado ao Bataclan, em Paris [em novembro de 2015]. Quando começamos a trabalhar com o elenco, houve o atentado a Nice [julho de 2016]. Os atores ficaram ainda mais tocados com a violência e o aumento do estigma sobre muçulmanos, e essa discussão entrou no roteiro.

    Depois dos atentados, criou-se o slogan "vivre ensemble" (viver juntos). Mas me irrita que seja apenas um slogan, nos lembra da nossa incapacidade de realmente fazer com que essa ideia exista.

    Apesar da tensão criada no filme, há um final otimista.

    Precisava ter um fim mais otimista porque esse foi um período muito triste da nossa história. E queria mostrar que Antoine, depois de discutir e provocar os outros, encontrou as palavras certas para pôr fim ao seu mal-estar.

    Como essas discussões atingiram os jovens atores?

    Acho que de certa forma deu a eles mais confiança. Um dos atores me agradeceu depois, dizendo que ele nunca tinha tido espaço para discutir questões tão importantes.

    Mastrângelo Reino - 1º.nov.2017/Folhapress
    Daniel Johnston, a singer-songwriter, at home in Waller, Texas, Sept. 26, 2017. Johnston has battled manic depression and schizophrenia most of his adult life, and in recent years endured multiple physical ailments, including diabetes, a kidney infection and hydrocephalus, but will soon go on tour that some have billed as his last. (Bryan Schutmaat/The New York Times) ORG XMIT: XNYT239 DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Laurent Cantet na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

    Essas discussões surgiram também entre os espectadores do filme?

    Fizemos muitos debates após sessões do filme, e eu senti que as pessoas tinham necessidade de falar. O público não saía do debate, e eles duravam muito tempo, eram bastante acalorados.

    Acredito que criar esse espaço de discussão, de confrontar ideias diferentes, é o melhor modo de conter essas ideias extremistas, de pensar que a resposta não são as soluções mágicas propostas por movimentos extremistas.

    Na semana passada, o sr. analisou e debateu roteiros no no Laboratório de Narrativas Negras para Audiovisual, no Vidigal, no Rio. Como foi?

    Foi muito interessante ver histórias tão encarnadas, de quem vive na favela e vê o racismo cotidianamente.

    Mas o melhor foi ver a diversidade das pessoas. Havia de estudante a psicólogos e motoristas de ônibus. E como tinham um sentimento de pertencimento a um mesmo mundo e, em seus roteiros, registravam esse mundo de formas muito diferentes, como comédias, filmes sombrios, com ternura ou violência.

    *

    raio-X

    Laurent Cantet

    Nascimento
    15 de junho de 1961 em Melle, no oeste da França

    Formação
    Em 1986 no IDHEC - Institut des Hautes Études Cinématographiques, em Paris (hoje integrado à École Nationale Supérieure des Métiers de l'Image et du Son)

    Filmografia
    'Recursos Humanos' (1999)
    'A Agenda' (2001)
    'Em Direção ao Sul' (2005)
    'Entre os Muros da Escola' (2008)
    'Retorno a Ítaca' (2014)

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