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    Crítica

    HQ de Daniel Clowes sobre viagem no tempo lembra Raymond Carver

    JOCA REINERS TERRON
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    18/11/2017 02h00

    PACIÊNCIA (bom)
    AUTOR Daniel Clowes
    TRADUÇÃO Jim Anotsu
    EDITORA Nemo
    QUANTO R$ 64,90 (180 págs.)

    *

    Na HQ atual, a arte narrativa de Daniel Clowes é a que mais dialoga com a ficção literária. O quadrinista americano nascido em 1961 explorou romances de formação em "Ghost World" (1997) e "David Boring" (2000), além da misantropia típica das crises de meia-idade em "Wilson" (2010), com abordagens que não fariam feio a Saul Bellow e Philip Roth.

    Ao encerrar "Paciência", seu novo romance gráfico, com uma ideia inconclusa que é lançada para o leitor resolver, ele só evidencia qual é a matéria-prima de suas histórias.

    O livro conta a história de amor entre Jack Barlow e sua namorada grávida que é assassinada logo nas primeiras páginas, Paciência (este é o nome da personagem, não um pedido de desculpas ao leitor pelo "spoiler"). Após descobrir um modo de viajar no tempo, Barlow ingressa em sucessivas voltas ao passado na tentativa de impedir o crime.

    Reprodução/Daniel Clowes
    Capa do livro de HQ 'Paciência', de Daniel Clowes
    Capa do livro de HQ 'Paciência', de Daniel Clowes

    O mecanismo necessário para isto acontecer é mais grotesco e próximo de recursos da ficção científica barata, sem a abstração gráfica e conceitual de "Aqui", álbum de Richard McGuire que relata a passagem do tempo por meio do canto da sala de uma casa; ao contrário deste, porém, o deslocamento temporal de Barlow se apoia no artifício para conduzir personagens a dramas mais profundos de caráter novelesco.

    Como em obras passadas de Clowes, a ambientação é a de cenários suburbanos e os tipos fracassados de classe média baixa remetem a Raymond Carver. Paciência é uma ex-garçonete presa aos abusadores de sua juventude, ex-namorados da adolescência, como se sofresse da Síndrome de Estocolmo ainda a ser diagnosticada (contudo não há tempo suficiente para isso).

    Paciência
    Daniel Clowes
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    À medida que revisita o passado de Paciência na tentativa de compreender o funcionamento da engenhoca que permite as viagens, Barlow se confunde, negligenciando responsabilidades.

    O mal entendido, portanto, é o motor desta aventura existencialista na qual Clowes exibe um traço mais grosseiro que o habitual, talvez respaldado pela colorização vibrante dos quadros. E a matéria-prima continua a ser a mesma de outras histórias, a vida, essa névoa de nadas.

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