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    Crítica

    Médico conta algazarras de Jorge Amado em 'Crônicas do Coração'

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    18/11/2017 02h00

    Arquivo pessoal
    Jorge Amado (1912-2001) tem a assistência do gato Nacib enquanto escreve 'Dona Flor e Seus Dois Maridos'
    Jorge Amado (1912-2001) e seu gato Nacib enquanto escreve 'Dona Flor e Seus Dois Maridos'

    CRÔNICAS DO CORAÇÃO (bom)
    AUTOR Jadelson Andrade
    EDITORA Caramurê
    QUANTO R$ 50 (128 págs.)

    *

    Quando a ambulância teve dificuldade de encontrar o número da casa de Jorge Amado para socorrer o escritor que infartava, em 1993, foi Jorginho, o neto de oito anos de idade, quem disparou pela rua atrás do carro de emergência para orientar o motorista perdido.

    A cena é descrita no livro "Crônicas do Coração", lançado neste mês por Jadelson Andrade, médico que acompanhou Jorge Amado até a morte do escritor, em 2001.

    O prefácio de Paloma Amado, filha do autor, diz que "o leitor ficará sabendo como um médico e seu paciente podem se tornar grandes amigos assim de imediato".

    Andrade descreve a situação clínica e os aborrecimentos de Jorge Amado com os problemas de visão no fim da vida. Conta que se preocupava com o excesso de peso do paciente, um glutão cuja segunda preferência na vida era a comida, depois da escrita.

    Mas o livro não é um tratado de cardiologia, como outros escritos por Jadelson Andrade. Ele traz também as intimidades da turma de amigos do autor de "Capitães da Areia".

    O médico passou a integrar a "cambada de fogueteiros", apelido dado por Jorge Amado à turma formada pelos artistas Carybé, Calasans Neto e suas respectivas mulheres, junto com a companheira do escritor, Zélia Gattai. Certa vez, num camarote do show de Daniela Mercury em Aracaju (SE), a convite da cantora, os fogueteiros se estranharam com o vice-prefeito da cidade.

    Ao ser cumprimentado pelo político no fim do show, Carybé retrucou: "você é muito mal-educado. Entrou aqui sem falar com ninguém e ficou o tempo todo com essa tropa de gente na nossa frente, balançando essa bunda grande, quase não me deixando ver o espetáculo". A descompostura do amigo fez gargalhar Amado e virou chacota na viagem.

    Na extensa lista de lembranças cômicas há também a ocasião em que o médico e sua mulher vão acompanhar Jorge Amado e Zélia Gattai numa visita à residência do então ministro da Cultura francês, Jack Lang, em Paris.

    No caminho, os casais trombam com uma apresentação de escola de samba e, ao notarem que estava faltando mestre-sala e porta-bandeira, Andrade e Gattai foram dançar para regozijo do escritor, sentado num banco da praça.

    Para além da algazarra, o médico relata encontros do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Antônio Carlos Magalhães que presenciou na casa de Amado em Paris.

    Não foi só de risos a jornada dos zombeteiros: ao voltarem de uma festa de aniversário de dona Canô navegando na escuna do médico pelo rio Paraguaçu, antes de desembocar na baía de Todos os Santos, foram pegos por um mau tempo. "Minha ansiedade cresceu ao pensar quem eram as pessoas a bordo", relata o médico.

    O paciente também socorreu o amigo. Quando este, numa crise de falta de criatividade não foi capaz de escolher um nome para o hospital que iria fundar em Salvador, recorreu ao amigo que já havia batizado tantos personagens. "Ora, não sei por que está tão aflito. Hospital da Bahia não lhe parece um bom nome?" Dito e feito.

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