• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 03:54:58 -03

    OPINIÃO

    Poeta Maiakóvski renasce em nova tradução primorosa

    JORGE HENRIQUE BASTOS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/11/2017 02h00

    Comecemos pelo fim. Naquela manhã de 14 de abril de 1930, quando o futurista russo, Vladimir Maiakóvski, apontou um Browning de fabricação espanhola para o peito, encerrava-se de modo trágico a vida e a poesia daquele que foi o poeta central da revolução bolchevique de 1917.

    Há cem anos, o autor de "Flauta-vértebra" se tornara no arauto revolucionário, no prodígio insurrecto capaz de captar a atenção de multidões, ao recitar poemas que saudavam acontecimentos em curso.

    Ele renasce a cada nova tradução da sua poesia, como neste trabalho primoroso (agora com o acréscimo de 20 poemas) dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Boris Schnaiderman. A edição especial de "Poemas", lançada pela editora Perspectiva, reúne cinco dezenas de trabalhos seus.

    Amado e odiado, saudado e execrado, conseguiu atrair admiração gratuita, e ódio e inveja explícitos. Por que então o suicídio em 1930, aos 36 anos?

    São curiosas as reações de amigos e conhecidos, pois nos levam a crer que não acreditavam capaz do ato derradeiro.

    Alexander Rodchenko/ Divulgação
    Poeta georgiano Vladimir Maiakóvski, em foto sem data
    Poeta georgiano Vladimir Maiakóvski, em foto sem data

    Ele foi ator, roteirista, dramaturgo, editor e agitador cultural. Conquistou o sucesso ainda jovem. No livro "A Geração que Desperdiçou Seus Poetas", o linguista e amigo do poeta Roman Jakobson debruçou-se sobre sua vida. Para ele, o bardo nascido na Georgia tinha "a fé abstrata na transformação futura do mundo".

    Sua expressividade é coloquial e hiperbólica, de tom profético e apaixonado, ou narcisista e desencantado. Ele conseguia assumir várias facetas sem abandonar a insubordinação da vanguarda.

    Tal como inflamava as plateias com sua "voz grave, punhos de boxeador, aspecto de herói mítico e toureiro", conforme descrição de Boris Pasternak, sua poesia fincou seu padrão e conquistou território.

    As odes, elegias, sátiras e rimas complexas saltavam para o papel num ritmo sobejamente incendiário. Maiakóvski parece manter uma relação quase orgânica com a linguagem, sem nunca colapsar os limites líricos da sua voz.

    É indiscutível que ele assumiu a arte como ato insurgente. Mas acabou por resvalar num terreno perigoso, enquistando-o na encruzilhada dialética e estética. Isso chancelou seu destino.

    Com a morte de Lênin, o poeta ficou indefeso perante a camarilha de Stálin, que começou a criticá-lo. Escritores do realismo socialista passam a difamá-lo, e sua influência ruiu.

    Apesar de toda vivência, e ao efetuar a materialização cabal dos ideais da revolução, Maiakóvski só expôs suas contradições e tensões, a visão do mundo e da arte futuros que comandaram a inspiração.

    Maiakovski - Poemas
    Vladímir Maiakóvski
    l
    Comprar

    A Jakobson, após voltar de uma viagem pela Europa, nos anos 1920, o poeta pediu um resumo da teoria da relatividade de Einstein, divulgada à época. Para Maiakóvski, a teoria nos conduziria à ressurreição. Mesmo efeito tem cada novo resgate de sua obra.

    JORGE HENRIQUE BASTOS, jornalista, crítico e tradutor, organizou "Poesia Brasileira Contemporânea –dos Modernistas à Atualidade" (Ed. Antígona)

    MAIAKÓVSKI - POEMAS (EDIÇÃO ESPECIAL)
    EDITORA Perspectiva
    TRADUÇÃO Haroldo e Augusto de Campos e Boris Schnaiderman
    QUANTO R$ 65 (288 págs.)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024