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    Crítica

    Grupo Satyros traz Carnaval de genitálias para SP atual em filme

    ANDREA ORMOND
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    23/11/2017 01h00

    A FILOSOFIA NA ALCOVA (bom)
    DIREÇÃO Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
    ELENCO Henrique Mello, Stephane Sousa, Bel Friósi e Hugo Godinho
    PRODUÇÃO Brasil, 2017, 18 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (23)
    Veja salas e horários de exibição

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    São apenas 76 minutos. Considerando o título e a duração, "A Filosofia na Alcova" poderia passar por uma inofensiva teleaula.

    No entanto, Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez —da companhia teatral Os Satyros— dirigem e adaptam o livro homônimo do Marquês de Sade. Carnaval de genitálias, frases chocantes e penetrações explícitas.

    Na trama do filme, exibido recentemente no festival Mix Brasil, Eugénie (interpretada por Bel Friósi) é levada por Juliette (Stephane Sousa) e Dolmancé (Henrique Mello) a uma jornada escura de prazeres.

    Até aí, nada de novo no fronte. A lista de filmes que deslizam entre a pornografia e o "cinema de arte" é imensa e antiga.

    "O Império dos Sentidos" (1976), de Nagisa Oshima, "Calígula" (1979), de Tinto Brass, Bob Guccione e Gincarlo Lui, "The Punishment of Anne" (1975), de Radley Metzger. Jesús Franco adaptou a história de "A Filosofia na Alcova", batizando-a de "Eugénie", em 1973. A atriz Chloë Sevigny praticou uma felação em "Brown Bunny" (2003), de Vincent Gallo, diretor que também era o astro do filme.

    Sexo não é mais uma caixa de interdições. Tornou-se comum e fútil. Para o Marquês de Sade —morto em 1814—, até poderia levar à contestação ou ao ateísmo. O demônio ainda assustava e nada melhor do que encarná-lo em atos sexuais. Juntem-se a isso os debates sobre racionalidade, paixão, república, aristocracia.

    Mas o que dizer de um país como o Brasil? Sade cairia de quatro se conhecesse o sincretismo religioso. Os maldosos Exus, a exibicionista Pomba Gira, o malandro Zé Pelintra. "Viagem ao Céu da Boca" (1981), de Roberto Mauro, usou o imaginário.

    A análise da obra de Cabral e Vázquez não pode prescindir de todo esse contexto. O que está fora é superior ao que está dentro do filme. Não deslumbra, embora tenha bons momentos. Como Phedra de Córdoba, em uma representação da vaidade, diante do espelho.

    Chama atenção o fato de vir para o cinema um texto que os Satyros já haviam adaptado para o teatro há quase 15 anos (em 2003).

    O grupo brinca na contradição entre o universo do Marquês —com pó de arroz, corseletes, perucas— e a São Paulo de 2017. Quando o narrador fala em "propriedades ao sul da nação", vemos casas pobres da periferia. Ao invés das salas de tortura de Marie Tussaud, aparecem galpões urbanos.

    Nem se pode argumentar que o filme é misógino. Os personagens Juliette e Dolmancé comandam as orgias juntos e se colocam mais na bestialidade do que na guerra dos sexos. A festa é livre.

    Por tudo isso, quando cogitarem de censurar "A Filosofia na Alcova", o interlocutor poderá responder sem medos. Nada é novo, nada foi criado por vândalos. É apenas mais uma versão para um clássico de 200 anos.

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