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    CRÍTICA

    Filme tece trama pouco definida sobre Lygia Fagundes Telles

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

    23/11/2017 02h45

    Folhapress
    LOCAL DESCONHECIDO, 00-11-1967: Literatura: a escritora Lygia Fagundes Telles. (Foto: Folhapress)
    A escritora Lygia Fagundes Telles em foto de 1967; autora de 'Ciranda de Pedra' é tema de documentário

    LYGIA, UMA ESCRITORA BRASILEIRA (regular)
    DIREÇÃO Helio Goldsztejn
    PRODUÇÃO Brasil, 2017
    Veja salas e horários de exibição

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    "Você é bonita, tem bonitas pernas, por que esse negócio de escrever?"

    A frase, que Lygia Fagundes Telles recorda ter ouvido de colegas homens no começo da carreira, é uma das primeiras que a escritora pronuncia no documentário de Helio Goldsztejn que a homenageia.

    O longa, de certa forma, busca o tempo todo dar uma resposta à pergunta de por que aquela linda moça, que estudara educação física e direito e casou-se com um respeitado professor do largo de São Francisco, insistiu em enveredar pela literatura.

    Dividido em tópicos temáticos, o documentário foi concebido para a televisão –a realização é da TV Cultura, que o exibiu no início do ano– e sua linguagem de origem transparece o tempo todo na versão mais longa que ganha as telas dos cinemas nesta quinta (23).

    Predominam as chamadas "talking heads" –depoimentos para a câmera acerca da personagem.

    Colegas de ofício, como Ignácio de Loyola Brandão e Marcelino Freire; amigos, como Anna Maria Martins e o ex-cunhado Jayme da Silva Telles; críticos, como Walnice Nogueira Galvão e Manuel da Costa Pinto tratam dos recortes escolhidos para conduzir a narrativa.

    Da definição da obra de Lygia como pioneira na literatura urbana passa-se ao humor da autora, que comparece na vida e nos contos, contos que por sua vez se tornam outro tópico, e daí vem a vigência da obra, ilustrada pela sua influência nas "novas gerações" –representadas pela blogueira Isabella Lubrano e pela atriz transexual Daniela Glamour Garcia, ou aludidas na fala de outros, mais velhos.

    E assim segue o filme, num alinhavo às vezes frouxo de temáticas (a perspectiva feminina, a sede de justiça social, a perda do único filho) que acaba tecendo um desenho circular e não muito definido da obra de Lygia.

    Os depoimentos a certa altura se tornam reiterativos, como se fosse preciso confirmar que a obra da autora de "Antes do Baile Verde", "Ciranda de Pedra" e "As Meninas", entre outros livros, é merecedora inconteste da homenagem –ela o é, mas deve haver outras maneiras de afirmá-lo que não pela repetição.

    Aqui e ali, leituras, às vezes dramatizadas, às vezes não, e trechos de adaptações de obras da escritora pontuam o que se diz. A homenageada aparece, no mais das vezes, em entrevistas antigas, como para o "Roda Viva".

    Em outros momentos, de protagonista quase passa a coadjuvante –quando se fala de Paulo Emílio Sales Gomes, o crítico de cinema e fundador da Cinemateca Brasileira, segundo marido da escritora, ou de Clarice Lispector, que com Lygia e Hilda Hilst compunha a tríade fundamental de autoras brasileiras a partir dos anos 1940.

    O documentário ganha em interesse quando dá espaço para ponderações mais críticas e atentas à especificidade da obra do que quando vocaliza impressões humanas acerca de Lygia –que, se descrevem a escritora, poderiam também qualificar muitas outras pessoas.

    Ao final, o filme como que entrega os pontos. Deixa para a homenageada a tarefa de concluir que o esforço da produção não basta para responder quem é essa escritora brasileira.

    Em uma de suas ótimas frases, ela diz que "desembrulha personagens para desembrulhar a si mesma". "Tô me buscando", afirma. Esse documentário também ainda a procura, Lygia.

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