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    crítica

    Defesa de negros e mulheres conduz 1º álbum de Luedji Luna

    PALOMA FRANCA AMORIM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/11/2017 02h00

    Divulgação
    A cantora baiana Luedji Luna, que divulga o primeiro disco
    A cantora baiana Luedji Luna, que divulga o primeiro disco

    Em outubro, a cantora e compositora Luedji Luna lançou nas plataformas virtuais o disco "Um Corpo no Mundo", para a alegria de quem já a acompanhava na trilha da experimentação musical e na anunciação lenta e gradual de suas canções ao público.

    Luedji parece seguir outro tempo, talvez o dos orixás que tanto figuram em suas composições. Em "Banho de Folhas", parceria com Emillie Lapa, as menções a Oxalá -pai de toda generosidade- e a sua força transparecem não só na letra, mas também no arranjo fundamentado sobre rítmica moçambicana levada à apoteose do atabaque.

    Nascida na Bahia há 30 anos, Luedji vive em São Paulo e frequenta a cena da cidade, em espaços culturais como o Aparelha Luzia, na Barra Funda, onde costuma apresentar seu modo acolhedor de poetizar a realidade.

    Em 2016, lançou o clipe de "Um Corpo no Mundo", no qual caminha pelas ruas da cidade em trajes brancos ritualísticos. A letra descortina condições ilegais de vivência na cidade, sua tentativa de existir em meio ao caos urbano, à desigualdade social e à saudade das raízes.

    Nos versos: "Je suis ici, ainda que não queiram, não/ Je suis ici, ainda que eu não queira mais/ (...) Cada rua dessa cidade cinza sou eu/ Olhares brancos me fitam/ Há perigo nas esquinas/ E eu falo mais de três línguas".

    Um processo criativo envolvendo arte e política quase sempre apresenta ao autor o desafio de escapar aos termos viciados de um panfletarismo ou a afirmações de resoluções categóricas para os problemas tratados.

    Quando se trata de análises sociais, as fronteiras entre metáfora e discurso realista se tornam endurecidas. Luedji confronta esteticamente essas verdades e produz construções polissêmicas nas letras, melodias e harmonias, capazes de conduzir os ouvintes à reflexão social.

    A compositora, por meio de elaborações imagéticas assertivas, produz política ao mergulhar sem medo ou pudores na linguagem musical e na cultura negra brasileiras, historicamente maculadas por violência.

    Luedji também demonstra talento para deflagrar temas ligados a dores e alegrias íntimas. Em "Dentro Ali", escreve carta a um certo alguém que está por vir, indicando os passos necessários ao reconhecimento mútuo.

    Tudo é enredado por uma voz de timbre serenamente agudo e por uma interpretação sem redundâncias. Menos é mais nesse jogo em que Luedji se revela aos ouvidos alheios. Ela enegrece com renitência os significados da linguagem musical brasileira e, assim, ilumina-os.

    UM CORPO NO MUNDO
    ARTISTA Luedji Luna
    GRAVADORA independente
    QUANTO R$ 19,90
    AVALIAÇÃO ótimo ★★★★★

    PALOMA FRANCA AMORIM é dramaturga e autora de "Eu Preferia Ter Perdido um Olho" (editora Alameda)

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