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    crítica

    'Diários de Raqqa' revela como EI destruiu vidas na Síria e no Iraque

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    28/11/2017 02h10

    DIÁRIOS DE RAQQA (bom)
    AUTOR Samer
    TRADUÇÃO Fabio Bonillo
    EDITORA Globo Livros
    PREÇO R$ 29,90 (112 págs.)

    *

    Há pouco mais de um mês, forças apoiadas pelos Estados Unidos liberaram a cidade síria de Raqqa, que havia servido como capital do Estado Islâmico desde 2014. Soldados curdos e árabes hastearam suas bandeiras na praça Paraíso, local onde os extremistas do EI costumavam decapitar acusados de apostasia e deixavam suas cabeças apodrecerem ao sol.

    Raqqa ficou completamente isolada do mundo por quatro anos. Muitos sírios foram executados tentando contar o que acontecia lá dentro. Jornalistas e agências humanitárias estavam proibidos de entrar na cidade, só alguns poucos relatos de ativistas mais intrépidos emergiam.

    Daí a importância dos "Diários de Raqqa - A História Real do Estudante que Desafiou o Estado Islâmico, foi Jurado de Morte e Conseguiu Fugir de uma Cidade Sitiada".

    O livro descreve de forma detalhada a vida sob o jugo dos extremistas e joga luz sobre a facção terrorista que chegou a controlar um território equivalente a Portugal, com 10 milhões de pessoas.

    Samer (pseudônimo do autor) era um jovem absolutamente normal, fazia faculdade, tinha namorada, uma família unida e muitos amigos. Sua vida virou de ponta cabeça quando Raqqa foi invadida pelo Daesh, acrônimo em árabe usado pela população para se referir ao EI.

    Seu pai morre em um bombardeio, Samer leva 40 chibatadas por xingar durante a execução pública de um vizinho, sua namorada é forçada a se casar com um extremista do EI e Anas, um de seus melhores amigos, é crucificado e decapitado.

    Samer revela os desafios cotidianos das pessoas dentro da Raqqa. Quem não usa as calças do tamanho certo é punido com chibatadas, assim como os fumantes; uso de celular dá pena de morte, mulheres precisam cobrir o rosto, corpo e até as mãos para sair de casa, sempre acompanhadas de um familiar.

    Escrever seu diário e compartilhá-lo com o mundo foi um ato de coragem, uma vez que a comunicação com a mídia ocidental era punida com a pena de morte. As conexões de internet em cafés era monitoradas pelos extremistas.

    Samer compartilhou com jornalistas da BBC seu diário. As mensagens enviadas eram criptografadas e mandadas a um terceiro país, antes de serem repassadas à BBC. Todos os nomes e locais eram trocados para impedir a identificação de Samer.

    NARRATIVAS PICADAS

    Em 2015, em reportagem para a Folha, entrevistei um historiador que vivia em Mossul, na época a capital do EI no Iraque, e mantinha um blog sobre o terror cotidiano.

    Por medo de represálias dos islamistas, ele não se identificava, e deu entrevista por e-mail ao longo de dois meses, porque precisava circular pela cidade para conseguir sinal do celular.

    Diários de Raqqa
    Samer
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    Eram narrativas picadas, incompletas, como a maioria das entrevistas feitas com moradores de cidades dominadas pelo EI.

    Isso reforça a importância de "Diários de Raqqa", que consegue mostrar em profundidade como a facção destruiu vidas e sonhos na Síria e no Iraque.

    O livro sofre com uma tradução desajeitada. Falsos cognatos como a palavra convicção (usada com o sentido equivocado de condenação) incomodam, mas não chegam a comprometer a obra.

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