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    Premiado no México, Emmanuel Carrère se diz em crise de criatividade

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A GUADALAJARA

    29/11/2017 02h00

    Bernadette Gómez/Xinhua
    Emmanuel Carrère (ao centro) recebe o prêmio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara
    Emmanuel Carrère (ao centro) recebe o prêmio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara

    Depois de investigar sua própria fé por meio de um romance que o levou às origens do cristianismo e que vendeu mais de 500 mil cópias no mundo – "O Reino", lançado no Brasil em 2016 pela Alfaguara–, o francês Emmanuel Carrère, 59, volta a ter uma crise, senão religiosa, agora de criatividade.

    "'O Reino' foi uma resposta a uma inquietação interior que eu sentia havia muitos anos. Agora tenho que buscar um novo assunto. Mas que assunto pode competir com esse, que é tão poderoso?", conta o escritor à Folha na FIL (Feira Internacional do Livro de Guadalajara).

    Carrère diz incomodar-se quando as pessoas dizem ter lido "O Reino" apenas pelo lado religioso.

    "Na verdade é um romance sobre como contar uma história. Como se construiu essa história que é a de Jesus e como esta vem sendo recontada com tanta eficiência que perdure tantos e tantos anos, que atravessa gerações, fronteiras e oceanos. Foi uma investigação sobre como essa história foi levada adiante com tanto sucesso."

    No México para receber o prêmio dado anualmente na FIL ao conjunto da obra de um autor de expressão neolatina, Carrère fez, em seu discurso, um elogio ao escritor local Juan Rulfo (1917-86).

    Rulfo, disse o francês, "tocou fundo a alma dos mexicanos em romances em que pouco é dito pelos personagens, mas tudo é expresso pelo modo como descreve o sentimento humano nessas terras". Juan Rulfo –que antes dava nome ao Prêmio FIL– nasceu no Estado de Jalisco, onde se localiza Guadalajara.

    Outro homenageado pelo francês foi o americano Truman Capote (1924-84). "Sua capacidade de ouvir, captar sensações e não ter medo de envolver-se em suas histórias são o que me guiam em meus textos de não ficção."

    É justamente uma coletânea de não ficção que Carrère lança no evento. "Conviene Tener un Sitio Adonde ir" ("convém ter um lugar aonde ir", Anagrama) reúne textos escritos entre 1990 e 2015.

    Estão na compilação "A Vida de Julie", a história de uma garota viciada em San Francisco, uma entrevista em que Catherine Deneuve desmonta o entrevistador e uma visita à Romênia dos anos 1990, após o fim da ditadura de Nicolae Ceausescu (1965-89).

    "Eu tinha ficado impressionado com como foram televisionados o julgamento e o fuzilamento de Ceausescu, e quis ir até lá, para saber o que havia ficado daquela explosão de ira que foi o fim do regime comunista e visitar aqueles palácios, as construções da ditadura, então vazios, mas cheios de significados."

    A escolha dos textos para a coletânea, porém, não foi fácil, pois há anos Carrère leva paralelamente à vida de romancista, a de cronista, jornalista, roteirista e ensaísta.

    "Eu e meu editor nos pusemos a revisar os artigos e a deixar coisas de fora. E esses processo de editar também é um processo criativo."

    SÉRIES

    Enquanto busca tema para um romance, Carrère se dedica a escrever roteiros.

    "O Reino" vai virar minissérie. "Por melhor que seja a obra, a série baseada nela pode ser um fracasso se você não fizer uma cirurgia em sua estrutura, com os cortes de tempo, com a introdução dos elos com que cada capítulo termina, tudo isso sem ferir o texto. É um grande desafio."

    Carrère concorda que virou um clichê dizer que "as séries são onde está a criatividade artística de nosso tempo".

    O escritor considera que isso seja, em parte, verdade, mas que elas nada seriam "sem a literatura por trás".

    "Não há como escrever um bom roteiro, construir a narrativa de uma boa história sem ter passado batido pela literatura, pois a literatura está no processo."

    O Reino
    Emmanuel Carrère
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    Por outro lado, Carrère alerta para a necessidade de escolher bem as séries –elas, diz, "consomem demasiado tempo e a vida é curta", ri. Conta que vê duas ou três por ano, "no máximo".

    Falando de cinema, menciona Glauber Rocha (1939-81), de quem se diz fã. "Foi um dos cineastas que mais admirei na juventude; depois revi recentemente e me dei conta da profundidade das questões de que ele tratava."

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