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    Em sarau com ativista Brian Jackson, artistas celebram poesia negra

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    30/11/2017 02h00

    "Uma das missões da minha vida é fazer com que a poesia negra chegue a mais e mais pessoas." A frase é do músico americano Brian Jackson, 54, parceiro do poeta e também músico Gil Scott-Heron (1949-2011), autor de um dos hinos do ativismo civil dos anos 1970 nos EUA: "The Revolution Will Not Be Televised" (a revolução não será televisionada, em inglês).

    Jackson e Scott-Heron consagraram o uso de um recurso conhecido como "spoken word" na música, quando versos são declamados ou falados sobre bases de jazz, funk e soul. No caso deles, versos majoritariamente políticos, ligados ao movimento negro.

    "Que formas de protesto temos? Nossas vozes. E como envolver as pessoas na nossa mensagem? Pegando os exemplos do que Wall Street e Madison Avenue [endereço nova-iorquino das agências de publicidade] fazem para vender seus produtos: usam música para chamar a atenção das pessoas", explica Jackson.

    "Sempre procurei criar músicas que atraíssem as pessoas para as palavras."

    Rebecca Meek/Divulgação
    O músico e ativista pelos direitos dos negros Brian Jakson
    O músico e ativista pelos direitos dos negros Brian Jakson

    Nesta quinta (30) e sexta (1º/12), no Sesc Pompeia, em São Paulo, Jackson encabeça o espetáculo "Black Poetry", que celebra a poesia negra e o "spoken word" na voz de artistas como Juçara Marçal, Mano Brown e Black Alien.

    Nas duas noites, Jackson vai empunhar flauta e teclado acompanhado por um time de brasileiros: Thiago França (saxofone), Mauricio Takara (bateria), Marcos Gerez (baixo), Rogério Martins (percussão) e Guilherme Granado (sintetizadores).

    As palavras serão de autoria de brasileiros como Cartola (1908-80), de americanos como Langston Hughes (1902-67) James Baldwin (1924-87), da angolana Alda Lara (1930-62) e da moçambicana Noémia de Sousa (1926-2002).

    As poetas africanas tiveram seus versos escolhidos pela cantora Juçara Marçal. "Queria dar voz a essas mulheres potentes e tão pouco conhecidas por aqui", diz ela.

    Para Marçal, a literatura produzida por negros sofre um processo de invisibilidade no Brasil. "Fiz faculdade de letras e lá nunca se falou na escritora negra Carolina de Jesus (1914-1977), que fui conhecer muito tempo depois de formada", lembra.

    O cantor Rodrigo Carneiro, 46, extrapola essa análise para outras expressões culturais. "Já tive de explicar que o rock era mais uma das muitas contribuições negras para a cultura", conta.

    Jackson diz que a poesia negra e o "spoken word" derivam da tradição oral dos griots, contadores de história do oeste da África que se valiam de música, canto e poesia para transmitir mitos e notícias.

    "Quando passamos a investigar e valorizar nossas heranças, nos conectamos com a função do griot", diz ele, para quem o "spoken word" é o grande precursor do hip-hop.

    Para ele, é difícil dissociar o "spoken word" do ativismo político e do movimento negro. "Estávamos apenas falando de nossas vidas. Testemunhamos o bombardeio da igreja batista no Alabama, em 1963, quando quatro crianças negras morreram, e os assassinatos de Marthin Luther King (1929-1968) e Malcom X (1925-1965)", lembra.

    "Ainda havia linchamentos quando eu era criança. Há dois meses, em New Hampshire (EUA), um menino de oito anos quase foi linchado. Se essas coisas não pararam, por que nós devemos parar?"

    *

    Sou Negro, poema de Langston Hughes que será lido no sarau

    Sou Negro:
    Negro como a noite é negra,
    Negro como as profundezas da minha África.
    Fui escravo:
    Cesar me disse para manter os degraus
    da sua porta limpos.
    Eu engraxei as botas de Washington.
    Fui operário:
    Sob minhas mãos ergueram-se as pirâmides.
    Eu fiz a argamassa do Woolworth Building.
    Fui cantor:
    Durante todo o caminho da África até a Georgia
    Carreguei minhas canções de dor. Criei o ragtime.
    Fui vítima:
    Os belgas cortaram minhas mãos no Congo
    Estão me linchando agora no Mississipi.
    Sou Negro:
    Negro como a noite é negra
    Negro como as profundezas da minha África.

    *

    BLACK POETRY
    QUANDO qui. (30) e sex. (1º/12), às 21h; 12 anos
    ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
    QUANTO de R$ 12 a R$ 40

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