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    'Aqui vivemos de massacre em massacre', diz escritora mexicana

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A GUADALAJARA

    02/12/2017 02h00

    Bernadette Gómez/Xinhua
    A escritora mexicana Elena Poniatowska, 85, durante fala para jovens na FIL
    A escritora mexicana Elena Poniatowska, 85, durante fala para jovens na FIL

    "No México a terra sempre treme", diz à Folha a escritora Elena Poniatowska, 85.

    Poniatowska esteve na Feira do Livro de Guadalajara para lançar a reedição de "Juan Soriano - Niño de Mil Anos" ( Seix Barral), sua biografia do artista plástico (1920-2006), cujos retratos e cenas cotidianas ofereciam um painel da vida no México.

    Também ela dedicou toda a vida a observar e a descrever a pátria que a acolheu.

    Nascida em Paris, mudou-se com a família, de origem polonesa, quando tinha só nove anos, fugindo da Segunda Guerra (1939-1945).

    Vencedora em 2013 do Cervantes de 2013 —principal prêmio da língua espanhola—, Poniatowska projetou-se com o livro de não ficção "La Noche de Tlatelolco".

    Nele, reconstruiu, a partir de relatos, a dura repressão do governo do presidente Díaz Ordaz, em 1968, a um grupo de estudantes, às vésperas da Olimpíada do México.

    "Digo que a terra sempre treme aqui porque estamos acostumados a viver de intempérie em intempérie, de massacre em massacre, sobrevivendo a maus governos e, ainda assim, continuamos sendo um povo criativo e generoso, capaz de se levantar depois de eventos como o terremoto de 1985 e este último, de setembro", resume.

    Para ela, houve retrocessos nas últimas décadas, como o aumento da violência relacionada aos cartéis, mas também na atuação do Estado.

    "Um massacre como o de Ayotzinapa foi muito pior que o de Tlatelolco, porque as famílias ficaram sem resposta, porque o governo continua não dando recursos aos peritos internacionais que querem ajudar, porque é um crime sem justiça e uma vergonha para o México", enumera.

    Ela se refere à noite de 2014 em que nove pessoas foram assassinadas e 43 estudantes desapareceram num operativo encabeçado pela autoridade municipal de Iguala, em Guerrero, e que teria sido levado a cabo por policiais associados a um cartel local.

    BATIZADOS

    Um de seus primeiros trabalhos foi na coluna social do jornal "Excelsior", nos anos 50. "Eu cobria casamentos e batizados; eram tempos em que mulheres tinham espaço muito limitado nos jornais."

    Aos poucos, conta, passou a escrever também sobre política, enquanto enveredava pela prosa, quase sempre relacionada a eventos e personagens históricos.

    "Talvez uma das coisas de que eu mais goste deste país seja o fato de ter uma característica muito própria, mas estar sempre aberto a distintos fluxos migratórios", diz.

    "Hoje isso se intensificou no mundo todo, mas o México é praticamente um pioneiro no acolhimento aos estrangeiros na América Latina."

    Ela diz preferir "um mundo com menos nacionalismos e mais generosidade". "Talvez eu não veja isso, mas sinto que vamos nessa direção."

    Além de ocupar-se na escrita, Poniatowska passou, há pouco tempo, a divertir-se com postagens no Twitter.

    "Falo como se estivesse na sala da minha casa." E o resultado? Ela responde: "Sou muito xingada, me chamam de filha da puta e de coisas horríveis", conta, rindo.

    Um desses episódios ocorreu durante sua ida a Oaxaca para um festival, quando fez na rede social um comentário sobre as mulheres locais.

    Disse que, no passado, eram magras, porque bebiam apenas pulque, bebida alcóolica feita a partir da fermentação do agave. Como passaram a tomar cerveja, disse, ganharam "barrigas imensas".

    "Eu não consigo me controlar, foi espontâneo", diz, levantando os ombros.

    "Mas eu prometi a meus amigos que vou tentar me conter. Eles ficam chocados com os xingamentos que recebo. Eu não; eu estou no jornalismo há mais de 50 anos, já escutei de tudo."

    A jornalista viajou a convite da Feira Internacional do Livro de Guadalajara

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