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    Crítica

    Filme 'Câmara de Espelhos' é o caldeirão dos narcisistas

    ANDREA ORMOND
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    04/12/2017 11h00

    Divulgação
    Adriele Lopes Pelentir em cena do filme "Cromossomo 21"
    Cena do documentário "Câmara de Espelhos"

    CÂMERA DE ESPELHOS (REGULAR)
    DIREÇÃO: Déa Ferraz
    PRODUÇÃO: Brasil, 2016, 14 anos
    Veja salas e horários de exibição.

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    Um grupo de homens de 18 a 80 anos são trancados em uma sala. Eles não percebem a foto de Simone de Beauvoir —e, mesmo se percebessem, não entenderiam.

    Os únicos estímulos vêm da televisão. A cada nova rodada de imagens, nova rodada de conversas. Sempre com o mesmo objetivo: a mulher. O que é, para que serve, de que se alimenta, qual o propósito da mulher.

    Diretora e roteirista, Déa Ferraz colocou um anúncio no jornal, convocando atores e não atores para o documentário. Assim nasceu "Câmara de Espelhos". Os integrantes são analisados como pequenos camundongos de laboratório.

    Existe um "parti pris" incômodo. Os temas são propositadamente polêmicos. Casamento, sexo, violência, Deus, aborto. Um personagem é colocado por Ferraz nos debates. Em termos cênicos, esse elemento infiltrado é catalisador, mas não funciona a contento. Um homem quase perfeito, ponderado até mesmo nos confrontos, que soam mais didáticos do que sinceros.

    trailer

    Perigoso controlar a espontaneidade de um filme. Eduardo Coutinho seguiu o método, mas o próprio colega cinemanovista Arnaldo Jabor realizou "A Opinião Pública" e ouviu "in natura" os preconceitos dos anos 1960.

    Em "Câmara de Espelhos" temos a sensação de ler aqueles comentários vergonhosos de sites, mas agora dando cara e voz aos autores, sem anonimato. É o caldeirão dos narcisistas. Chamam a atenção de quem tiver o olhar mais interessado nas relações que os participantes têm entre si, do que no lado óbvio do que dizem.

    Um deles, por exemplo, fica calado por horas até que, do nada, solta umas pouquíssimas frases e mexe compulsivamente no cabelo. Um idoso detesta mulheres e recebe risadas dos colegas. Há diatribes religiosas, mea culpa, nenhuma culpa, confissão sobre sexo com travestis.

    No vendaval de declarações, surge um resultado em particular que certamente não foi o pretendido pela diretora: a descoberta de que também existe um "grande outro" masculino. Existe um protótipo de homem idealizado, que todos queriam ser ou que desejariam que existisse. Isso é bem mais sintomático do que a proposta do filme, de debater as (inúmeras) boçalidades do machismo.

    O que se vê, no final das contas, é mais uma vez a condição humana. Rejeitar as diferenças, preferir o caminho mais cômodo e tentar ser aceito pelo grupo, quase sempre como gado.

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