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    Esplendor de Carmen moldou imagem de Brasil elegante no mundo

    PEDRO DINIZ
    COLUNISTA DA FOLHA

    04/12/2017 14h57

    Um ano após o país perder Carmen Miranda –em 1955–, uma outra Carmen virou retrato do Brasil esplendoroso que não se resumia a futebol e samba. Carmen Mayrink Veiga, morta no domingo (3), no Rio, aos 88 anos, personificou a imagem de anfitriã dos trópicos e posicionou a cidade no mapa das rodas sociais.

    Era paulista, mas carioca de alma. Sua casa na avenida Rui Barbosa, no Flamengo, virou metro quadrado disputado pelo alto escalão das artes e da economia do hemisfério Norte que visitava o Brasil. Hospedar-se ali e frequentar os convescotes era sinônimo de prestígio e de luxo absoluto.

    As festas, tanto as do apartamento brasileiro quanto da região do Trocadéro, em Paris, transformaram Carmen e "Tony" Mayrink Veiga, empresário bélico com quem casara em 1956, em um dos casais mais pops da alta sociedade brasileira entre o início da década de 1960 até o início dos 1990.

    Fora da caixa para os padrões de certo e errado da elite local, Carmen reviu todas as convenções sobre elegância. Usava joias durante o dia, transformou a alta-costura em uniforme, abriu decotes e fendas contra a caretice e abria sorrisos quando fechar a cara parecia chique.

    Estilistas e artistas plásticos se inspiraram em sua personalidade marcante, de Andy Warhol (1928-1987), que chegou pintar um retrato da socialite, a Valentino Garavani, uma das inúmeras tesouras para as quais ela emprestou o corpo.

    Maior colecionadora de trajes do francês Yves Saint Laurent (1936-2008) e única brasileira mencionada em sua biografia, tinha pela moda um fascínio que se explicava nas mais de quatro centenas de vestidos assinados.

    Duzentos deles estão no acervo da Casa Zuzu Angel, instituto de conservação e memória fundado pela família da estilista homônima para quem, aliás, Carmen serviu de modelo.

    "Ela construiu o mito dela por conta própria. De todas as mulheres de sociedade foi a mais competente, fez disso quase um ofício, uma carreira, um objetivo de vida", explica Hildegard Angel, de quem a socialite era amiga e esteve com ela em suas últimas reuniões sociais, bem menos apoteóticas das que faziam os homens usarem gravata e as mulheres mandarem medidas para costureiros.

    Uma dessas últimas reuniões foi uma festa para seus gatos, com sete pessoas, e a do seu próprio aniversário, em abril, para apenas cinco amigos.
    "Ela sabia exatamente o limite das coisas. Não era uma socialite com um perfil antipático, mas sempre convidou pouca gente. Muitos ficavam insatisfeitos com isso, mas era a forma dela de criar um desejo nas pessoas. Todos queriam ficar ao seu lado", diz Angel.

    Um dos que conseguirarm foi o estilista paraense Lino Villaventura, um dos prediletos de Carmen -o mais íntimo foi o carioca Guilherme Guimarães, morto no ano passado.

    Em 1996, o estilista foi pessoalmente ao Rio cortar um vestido vermelho com bordados de fios de ouro. "Era uma mulher cênica. Cheguei ao seu apartamento e vi aquele acontecimento sentado numa poltrona, toda de vermelho sob uma luz amarela", relembra Villaventura.

    O comportamento teatral ela levava às sessões de fotos que topava fazer com fotógrafos famosos do seu tempo, entre eles Antonio Guerreiro, Richard Avedon, Mario Testino e Miro. "Ela treinava as poses em casa e tirava polaroids para entregar aos fotógrafos. Tinha controle total sobre a própria imagem", diz o estilista.

    Carmen manteve até o fim a cabeça emoldurada pelos cabelos longos, uma obsessão dos admiradores, e o corpo coberto por vestidos exuberantes. Mas não foi isso que a fez importante.

    Nela o senso de beleza, mutável com o passar dos anos, era uma harmonia entre aparência e originalidade, a verdadeira receita da elegância que não tem a ver com a conta bancária, mas com a capacidade de ser mais do que apenas parecer.

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