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    Jorge Furtado adapta Vianninha e revisita Junho de 2013 em novo filme

    GUILHERME GENESTRETI
    ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

    05/12/2017 02h20

    Fabio Rebelo/Divulgação
    Luisa Arraes e Chay Suede em cena de 'Rasga Coração
    Luisa Arraes e Chay Suede em cena de 'Rasga Coração'

    "Olha só o que eu trouxe para a gente. É 'chocrível', é o raiozinho do Bowie." Caracterizado como um bicho-grilo deslocado no tempo, o ator George Sauma oferece LSD ao personagem de Marco Ricca, um sujeito que parece ter deixado toda a sua porra-louquice lá atrás, em algum lugar perdido da década de 1970.

    Lorde Bundinha (Sauma) é o Grilo Falante lisérgico que assombra Manguari (Ricca), ex-militante confrontado pelo filho, Luca (Chay Suede), que crê que o pai encaretou.

    Com previsão de estreia para 2018, "Rasga Coração" é o filme que o diretor Jorge Furtado roda em Porto Alegre, baseado na peça homônima e derradeira de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha.

    Percebe-se logo que Furtado, 58, entende Manguari particularmente bem. "Reconheço o jeito de pensar, até o espanto. A perplexidade dele é a da minha geração", diz o cineasta gaúcho, que adaptou "pouca coisa" da peça. "Ser fiel à peça é falar de hoje."

    "A oposição entre o militante de esquerda desiludido com os rumos da política e o seu filho, que não crê em partidos, é bem atual", diz o diretor à Folha. Ele já tinha planos de adaptar o texto há dez anos. "Mas na época não fazia sentido. A esquerda estava no poder, e dando certo."

    Escrito durante a ditadura, o texto gira em torno de Manguari, funcionário público que se vê em acerto de contas com seu passado de engajamento enquanto os boletos atulham a mesa de sua sala de estar em Copacabana. A mulher (Drica Moraes) tem sonhos de classe média, quer reformar o apartamento deles.

    Furtado transpôs o presente da peça (1974) para 2013, ano das convulsões de Junho. "Havia protesto dos estudantes tomando as escolas e tudo o que conheciam de governo era o PT", diz o diretor.

    Quando o protagonista rememora a sua militância pregressa, a história o leva para 1979, nos estertores da ditadura, época em que Furtado saiu às ruas contra os militares.

    O cineasta também fez ligeiras alterações: o cabelo comprido de Luca, por exemplo, que era tabu na época de Vianninha, vira o uso de saia. O colégio não aceita a indumentária e faz irromper a luta do jovem, à qual Manguari é solidário até o ponto em que sua opinião ainda permite.

    Boa parte da trama se desenrola no apartamento, recriado meticulosamente dentro de uma capela desativada. O piso de tacos está gasto, os discos de vinis se avolumam no quarto de Luca; e os remédios, na cômoda de seus pais.

    Quando a reportagem visitou o local, ele passaria por uma "reforma ao contrário", ganharia ares setentistas, com Manguari em seus 20 anos vivido por João Pedro Zappa.

    "Rasga Coração" é o segundo drama seguido de Furtado, que desde "Real Beleza" (2015), vem dando um tempo nas comédias que lhe deram fama -caso de "O Homem que Copiava" (2003), "Meu Tio Matou um Cara" (2004) e "Saneamento Básico" (2007).

    "Talvez seja mais difícil fazer comédia agora. É que fazer chorar no Brasil hoje está bem simples", diz ele. "Rasga Coração" será o primeiro de seus filmes que não parte de um roteiro original seu.

    O longa é também, entre as suas ficções, a mais carregada da voltagem política que Jorge Furtado reserva às suas postagens na internet.

    "A dramaturgia organiza o raciocínio. A esquerda precisa achar um mínimo denominador comum", diz ele, que participou de passeatas contra o governo de Temer e pretende explorar as cisões das causas progressistas nos debates entre os personagens.

    Pai de uma filha de 16 anos, Furtado diz estar estar tomando pé de algumas dessas novas causas progressistas. Ele cita as 31 diferentes identidades de gênero, questão cara ao personagem Luca. "Fui bem quando elas eram três. Isso é uma coisa nova para mim."

    O jornalista GUILHERME GENESTRETI viajou a convite da produção do filme

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