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    Independente há 40 anos, quadrinista Marcatti imprime obra no quintal

    IVAN FINOTTI
    DE SÃO PAULO

    05/12/2017 02h03

    Karime Xavier/Folhapress
    O quadrinista Marcatti no quintal de sua casa no Tatuapé e a máquina offset de 1954
    O quadrinista Marcatti no quintal de sua casa no Tatuapé e a máquina offset de 1954

    Nos fundos de uma casa de dois andares de 1961, no Tatuapé, repleta de cobogós e em meio a guitarras em processos de fabricação e dos gatos Tequila e Bernardo, encontra-se uma impressora offset Multilith 1250 de 300 kg.

    É sobre essa máquina fabricada em 1954 que Francisco de Assis Marcatti, 55, tem se debruçado nos últimos cinco anos, para um projeto digno do virginiano que não é (nasceu sob o signo de gêmeos).

    Desde 2012, quando comprou a máquina por R$ 4.500 (emprestados por uma amiga), o cartunista podre, escatológico, independente, apartado, autônomo, emancipado, imparcial, livre e soberano tem reimprimido, uma a uma, as 1.800 páginas que já produziu desde que publicou sua primeira história, em 1977.

    Marcatti tem hoje 32 títulos em catálogo, de revistinhas a livros, todos à venda em seu site (marcatti.com.br).

    Para comemorar esses 40 anos de marginalidade, a Ugra Press convidou 40 quadrinistas para desenharem histórias de duas páginas com o personagem mais conhecido de Marcatti, o pós-adolescente onanista Frauzio. O livro "Marcatti 40", com lançamento hoje, traz ainda homenagens e depoimentos de artistas como Laerte, Edgard Scandurra e Hunt Emerson.

    Marcatti é minucioso e atento às artes gráficas. As capas coloridas de suas revistas não podem ser produzidas com chapas modernas. "Quero ponto de retícula visível a olho nu", ordena.

    As gráficas de hoje imprimem, em um centímetro, 62 pontinhos coloridos, ele informa, calculadora na mão, transformando polegadas em sistema métrico para facilitar para o leitor. Nas revistas de Frauzio e companhia, cada centímetro vai ter apenas 30 pontos, e você vai vê-los.

    Para quê isso?

    "É como os gibis antigos."

    E estamos conversados.

    AUTOPRODUÇÃO

    Houve uma época em que Marcatti fazia as chapas de alumínio em seu quintal.

    O metal era gravado por meio de luz e revelado com soda cáustica. Um trabalho que demorava uma semana, pois era uma chapa para o amarelo, outra para o azul, a terceira para o vermelho e a última para o preto.

    Para agilizar o processo, o quadrinista, relutantemente, abriu mão dessa parte do processo. Às vezes, a gráfica envia chapas modernas para ele, com 62 pontos por centímetro. Ás vezes, Marcatti manda de volta. Às vezes, Marcatti releva, com medo de os funcionários terem de pagar pelo erro.

    A primeira offset que caiu nas mãos desse tatuapeense foi em 1980. "Minha segunda revista já foi impressa por mim mesmo." Impressa, distribuída e vendida.

    Marcatti passou toda aquela década em locais como o Cineclube Bixiga, a Lira Paulistana e o Sesc Pompeia, oferecendo aos frequentadores: "Quadrinhos?".

    Hoje, vai a todas feiras e eventos de gibis. Em 2014, foi objeto de uma biografia do jornalista Pedro de Luna, chamada "Marcatti: Tinta, Suor e Suco Gástrico" (Marsupial). O livro, de 80 páginas, está à venda por R$ 19,90 no site da editora (lojamarsupial.com.br).

    Essa história de se autoproduzir por completo criou uma situação marginal da qual Marcatti nunca conseguiu nem quis escapar. "O fato de ter a máquina fez com que eu fizesse o que bem entendia, sem passar por filtros de editora. Eu falava direto com o leitor e não precisava ser palatável. Foi uma escolha."

    Hoje, além de produzir dois gibis, o trimestral "Frauzio" e o sem periodicidade "Marandubas" (histórias brasileiras como "A Mula Sem Cabeça" ou "O Negrinho do Pastoreio"), desenha duas páginas e meia por dia do clássico francês "Os Miseráveis" (1862), de Victor Hugo.

    É um projeto para o selo de quadrinhos da Companhia das Letras, com entrega das 700 páginas no ano que vem. Desta vez, entretanto, Marcatti não vai imprimi-las. Ou tampouco vai exigir que a capa tenha retículas visíveis a olho nu. "Seria excesso de zelo..."

    MARCATTI 40
    QUANDO ter. (5), das 18h às 21h
    ONDE Ugra Press (r. Augusta, 1.371 loja 116, 11-3589-5459)
    QUANTO R$ 45 (108 págs.)

    Edição impressa

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