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    crítica

    Biografia analisa relação do crítico Mário Pedrosa com a política

    LAURA ERBER
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    06/12/2017 02h05

    Acervo - 1977/Folhapress
    ORG XMIT: 024001_0.tif 1977 Mário Pedrosa durante entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Mário Pedrosa volta ao Brasil aos 77 anos depois de viver sete anos no exterior. Ensaísta, crítico de arte e, sobretudo, um animador cultural, já está trabalhando para realizar, em 1978, uma exposição, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, sobre a arte e a cultura dos povos da Amazônia, batizada por ele de "Alegria de Viver, Alegria de Criar". Nascido em Pernambuco, estudou no Rio, onde se formou em direito, e também em Lausane, Suíça e Alemanha onde, em 1927, estudou filosofia, sociologia e estética. Anos depois, ligou-se em Paris ao movimento surrealista. Figura proemiente do grupo de intelectuais brasileiros que se opunha ao Estado Novo imposto por Getúlio Vargas, foi exilado em 1937. Regressando, em 1940, defendeu tese no concurso para a cátedra de História da Arte e Estética da Faculdade de Arquitetura do Rio. Membro do júri da Bienal em diversas ocasiões, foi também diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e secretário-geral do Conselho Nacional de Cultura. Em 1970 deixou o Brasil e fixou, inicialmente, residência no Chile e, depois, em Paris. (00.00.1977. Foto: Folhapress)
    O crítico Mário Pedrosa (1900-81), que tem sua trajetória política abordada em livro

    PAS DE POLITIQUE, MARIÔ! - MARIO PEDROSA E A POLÍTICA (ótimo)
    AUTOR Dainis Karepovs
    EDITORA Editora Ateliê Editorial + Fundação Perseu Abramo
    QUANTO R$ 46 (291 págs.)

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    Se os pesquisadores de arte puderam contar com o empenho crítico-editorial de Otília Arantes –responsável durante anos pela organização e divulgação do trabalho de Mário Pedrosa– os interessados na sua atuação política não tiveram a mesma sorte.

    A despeito do tom modesto da apresentação, "Pas de politique, Mariô!", do historiador Dainis Karepovs precisa ser saudado como marco na bibliografia sobre Pedrosa.

    Até agora nenhum de seus estudiosos havia se debruçado com tanta profundidade na análise da sua relação com a política, considerando as diversas formas que seu engajamento adquiriu até sua morte, em 1981.

    A vida política de Pedrosa se confunde com a história política do século em que viveu e, de maneira particular, com os percalços e estrangulamentos, limitações da esquerda brasileira.

    Sem diminuir a importância do trotskismo para a formação e perspectiva política de Pedrosa, Karepovs consegue, no entanto, mostrá-lo como pensador e militante marxista, em busca de novas estratégias de emancipação fora do espectro do PCB.

    Tudo isso torna o trabalho do pesquisador mais desafiador, já que compreender a inserção de Pedrosa na política implica a interpretação de alguns dos grandes impasses da esquerda revolucionária no século 20.

    A pesquisa criteriosa e a escrita desafetada ajudam a revelar a energia crítica de Pedrosa e a coerência de seu percurso na política sem obscurecer momentos de contradição; para isso contribui também a paciente contextualização dos eventos nos quais Pedrosa participara.

    Além de desenhar o arco de uma vida política intensa e tumultuada, o autor é cauteloso ao abordar alguns pontos controversos dessa biografia política.

    Mostra como os ex-trotskistas ligados ao semanário "Vanguarda Socialista", com outras pequenas organizações de esquerda não stalinista, decidiram combater o populismo e o bonapartismo varguista se aproximando por um breve momento da UDN e apoiando a candidatura do general Eduardo Gomes – apoio sobre o qual o próprio Pedrosa faria mais tarde autocrítica, entendendo quão precário era o antivarguismo para promover uma real mudança no país.

    REPERTÓRIO CRÍTICO

    Karepovs enfoca ainda a atividade jornalística de Pedrosa, que atuou em diversos momentos também como editor, dedicando um capítulo à "Vanguarda Socialista", jornal criado por Pedrosa em 1945 e responsável pela difusão pioneira do pensamento marxista e pela defesa do socialismo democrático, ampliando e enriquecendo consideravelmente o repertório crítico e o debate de ideias dentro da nossa esquerda e estabelecendo pontes entre esta e as esquerdas norte-americana e europeia.

    Apesar da escrita sóbria, é difícil não se emocionar com esse percurso atribulado de alguém que já nasceu rodeado pela política e que inclui alvejamento na famosa Revoada das Galinhas Verdes, exílios, prisões, candidaturas a deputado federal, fundação da 4ª Internacional em 1938, fundação do PT no fim da vida, tudo isso em meio a um raro trânsito internacional, onde sempre atuou em posição de igualdade com seus pares estrangeiros.

    Ao final da leitura, fica claro que a política, para Pedrosa, nunca deixou de ter uma espessura existencial, sendo um exercício da liberdade e da revolução permanente contrário tanto aos sectarismos da esquerda quanto à truculência da direita.

    Talvez, como sugere Isabel Loureiro no prefácio, o livro de Karepovs seja um primeiro passo em direção à realização futura de uma biografia em que o Mário crítico de artes e o Mário político sejam finalmente reunidos e pensados organicamente.

    Se o livro realiza com desenvoltura a proposta de lançar luz sobre o Pedrosa político, e assim preenche grave lacuna nessa fortuna crítica, por outro lado, ao longo de sua leitura, ficamos desejando que o autor considerasse algo da relação de Mário com as artes também como parte de sua vida política –mesmo porque trata-se de um caso muito singular de curador e crítico que interveio diretamente na política cultural e na compreensão do lugar da arte, da crítica e dos museus na sociedade.

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