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    crítica

    Inspirada em Virginia Woolf, peça leva o público para andar

    MARIANA DELFINI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    07/12/2017 02h05

    Jonatas Marques/Divulgação
    Integrantes do Grupo XIX, no centro de São Paulo, onde encenam "Intervenção Dalloway"
    Integrantes do Grupo XIX, no centro de São Paulo, onde encenam "Intervenção Dalloway"

    INTERVENÇÃO DALLOWAY: RIO DOS MALEFÍCIOS DO DIABO (regular)
    QUANDO seg. a qui., às 16h; até 14/12
    ONDE Ponto de encontro: edifício sede da SELJ - Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo (antigo Banco de São Paulo), pça. Antônio Prado, 9
    QUANTO grátis; reservas pelo reservadalloway@gmail.com ou facebook.com/grupoxixdeteatro
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos

    *

    A cidade é São Paulo, e o ano é 2017. Distantes da Londres de 1923 em que a personagem Clarissa Dalloway deambula, saindo para comprar ela mesma flores, grupos pequenos de pessoas erram pelo vale do Anhangabaú e adjacências.

    Para essa caminhada, promovida pelo Grupo XIX de Teatro em seu novo trabalho, "Intervenção Dalloway", busca-se inspiração justamente na personagem da britânica Virginia Woolf (1882-1941).

    À semelhança dos fluxos de consciência no romance, despertados por estímulos do caminho, a intenção é permitir ao espectador devanear, a partir de um olhar alterado, sobre a cidade e os outros que percorrem o mesmo espaço e partilham as mesmas horas, e ser por eles assim observado.

    A itinerância no espetáculo começa por um café partilhado entre um performer (são cinco ao todo) e os espectadores que ele guiará em um trajeto curto.

    O romance de Woolf é apresentado em linhas gerais, com comentários e reflexões dos artistas, e todos colocam abafadores de ruídos. Os fones fazem desses flâneurs do Anhangabaú seres estranhos, observados com curiosidade pelos habituais frequentadores do vale entre os viadutos do Chá e o da Santa Ifigênia.

    Assim como a Londres do romance de Woolf, São Paulo se transforma em personagem pelo recorte que o olhar dos espectadores faz da cidade. A exploração de espaços não convencionais, característica do coletivo, se transforma aqui em uma interferência, pela construção de uma estufa de plantas.

    Apesar da balbúrdia do centro se tornar, com o auxílio dos abafadores, em um pano de fundo discreto, que permitiria ao espectador se concentrar em suas divagações, é difícil acreditar que a rápida conversa do início seja capaz de alterar significativamente sua sensibilidade para que a incursão inspire alguma poesia própria.

    E mais: se é a técnica de Woolf, e não a "realidade" observada pelos personagens, que faz do romance o que ele é, colocar-se na mesma situação deambulante de Dalloway não é garantia de um resultado análogo.

    A impressão é de que a intervenção é mais bem-sucedida para os espectadores ocasionais que passam pelo vale e se deparam com performers, público e estufa; eles, sim, são surpreendidos por algo que pode fazer aflorar uma torrente de impressões e pensamentos.

    O público que faz o trajeto desde o início do espetáculo, na expectativa de algum acontecimento, talvez apenas performe, sem intenção de fazê-lo, seguindo orientações generosas.

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