Bruno Poletti - 28.ar.2017/Folhapress | ||
Wanderléa, que escreveu a autobiografia 'Foi Assim' |
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Ilustrada
Saturday, 04-May-2024 11:33:45 -03crítica
Autobiografia de Wanderléa é corajosa, mas deixa lacunas
TONY GOES
COLUNISTA DO "F5"13/12/2017 02h10
FOI ASSIM (bom)
AUTORA Wanderléa (pesquisa e edição de Renato Vieira)
EDITORA Record
QUANTO R$ 39,90 (390 páginas)*
Wanderléa reproduz na foto da capa de sua autobiografia, "Foi Assim", a imagem que a maioria das pessoas têm dela: a de uma mulher esfuziante, bem resolvida, "inteiraça" aos 73 anos.
Mas é um prodígio ela ter chegado inteira a esta idade, principalmente na alma. Sua vida foi marcada por tragédias, e o contraste com o repertório pelo qual ficou famosa –repleto de canções ingênuas, a maioria alegres– não poderia ser maior.
Os percalços já começam no primeiro capítulo do livro, escrito em parceria com o jornalista Renato Vieira. Wanderléa conta que o acidente com seu então noivo José Renato Barbosa, o Nanato, foi um divisor de águas em sua trajetória.
No feriado da Semana Santa de 1971, o rapaz, filho do apresentador Chacrinha (1917-1988), mergulhou de cabeça na piscina da fazenda de amigos, e bateu a cabeça no fundo. Ficou tetraplégico.
A cantora permaneceu ao lado dele por mais alguns anos, deixando a carreira em segundo plano para cuidar de Nanato. Mas este não foi nem o primeiro, nem o último momento dificílimo que ela teria que enfrentar.
Dois de seus oito irmãos (todos com nomes começados por "Wander") morreram ainda crianças. A irmã Wanderlene, a Leninha, foi morta por uma bala perdida, aos 17 anos. E o irmão Wanderbil, o "Bill", seu empresário e confidente, sucumbiu em decorrência da Aids, em 1994.
Mas, segundo seu relato, nada foi pior do que a perda do filho Leonardo, em 1984. O garoto, que ainda não tinha três anos, caiu na piscina da casa da artista sem que ninguém percebesse, e se afogou.
A dor causada por esses episódios transborda do livro, cujos capítulos curtos raramente ultrapassam três páginas. Wanderléa emerge mais forte de cada um deles, e os céus parecem compensá-la com períodos de felicidade logo após cada um desses golpes da vida.
Mas nem só de tristeza é feito "Foi Assim". Também há fofocas irresistíveis, como o relato do primeiro encontro com Roberto Carlos, em 1961. O futuro rei dá na Ternurinha, apelido que remete à música "Ternura", aquele que seria o primeiro beijo na boca dela –e ainda por cima com o gosto da coxinha de frango que ele acabara de comer.
Já Erasmo Carlos tenta forçar uma noite de amor assim que eles chegam a Tóquio, em 1969, para as filmagens de "Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa".
Se esse episódio tivesse ocorrido nos dias atuais, o cantor seria facilmente acusado de assédio sexual e provavelmente teria sua carreira interrompida. Mas a Wanderléa de quase meio século atrás só considerou que ele foi inoportuno. Nada que abalasse a amizade deles.
Com texto ágil e objetivo, "Foi Assim" é de leitura agradável, e é de se admirar a coragem com que Wanderléa expõe seus dramas pessoais.
LIMITE DO SUCESSO
Mas ela mesma não sabe explicar porque sua carreira jamais repetiu o sucesso avassalador dos tempos da jovem guarda, em meados da década de 1960.
Mesmo com elogios da crítica a diversos discos seus e lotação esgotada em suas apresentações, ela não atingiu o mesmo patamar que algumas de suas contemporâneas, como Elis Regina (1945-1982), Rita Lee ou Gal Costa.
A jovem guarda, movimento formado por nomes como Roberto Carlos, Erasmo, Wanderléa, Eduardo Araújo e Ronnie Von, era tachada de alienada por boa parte da esquerda à época.
Para Wanderléa, havia sim atuação política no movimento, mas de forma distinta. A ditadura contra a qual ela e seus amigos cabeludos se insurgiam, diz, era a familiar.
De qualquer maneira, não é pouco ter sido a "Rainha da Juventude" brasileira numa época em que o mundo inteiro parecia estar se reinventando. Mas Wanderléa foi além desse e de outros rótulos. "Foi Assim" é um autorretrato sincero, doído e engraçado ao mesmo tempo.
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