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    crítica

    Jessé Andarilho emociona, revolta e, acima de tudo, faz refletir

    GEOVANI MARTINS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    15/12/2017 02h00

    EFETIVO VARIÁVEL (muito bom)
    AUTOR Jessé Andarilho
    EDITORA Alfaguara
    QUANTO R$ 34,90 (136 págs.)

    *

    Logo na capa do livro, com sua textura áspera que simula o asfalto por onde marcham soldados lisos e sem rosto, o Andarilho parece deixar um recado: veio trazer mais rua para a nossa literatura.

    Ou melhor, mais ruas: Antares, Santa Cruz, Campo Grande, Sepetiba. É nesses caminhos, pouco percorridos até então na literatura, que se desenvolve a trama de "Efetivo Variável", segundo romance do autor.

    Narrado em primeira pessoa, o livro conta a história de Vinicius, que é obrigado a prestar um ano de serviço às Forças Armadas.

    Ele é o oposto do que se espera de um soldado: está sempre cheio de respostas na ponta da língua, questiona o tempo todo a hierarquia.

    "Eu sempre achei muita loucura o que eles fazem com os recrutas. Éramos humilhados, xingados, tratados como lixo... A gente comia o pão que o diabo amassou e, de repente, ganhávamos armas com munições reais", diz ele em dado momento.

    Mas nem tudo é treta em "Efetivo Variável". Ao longo da narrativa, Vinicius vai encontrando seus pares entre os soldados de sua turma, coleciona histórias e conquista o respeito de seus colegas.

    Das partidas de pingue-pongue às pipas avoadas pelo terreno do batalhão, dos conflitos pela escala de serviço às bebedeiras, o autor consegue descrever com precisão uma realidade pela qual muitos brasileiros já passaram ou ainda irão passar.

    Custodio Coimbra/Agência O Globo
    Rio de Janeiro (RJ) 08/11/2017. Filhos da Flup. Perfil de Jessé Andarilho, escritor. Foto Custodio Coimbra DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Jessé Andarilho, autor de 'Efetivo Variável'

    Esse é um dos pontos altos do livro, a identificação que pode causar em jovens que às vezes não leem simplesmente por não se verem representados nas histórias contadas.

    O envolvimento com a filha do sargento mais sinistro do batalhão faz Vinicius sair um pouco do quartel para dar uns rolés com sua "princesa".

    Numa dessas voltas, ele vai parar num churrasco cheio de playboys, numa realidade tão distante da sua em Antares que quase não dá para acreditar que se trata de um bairro vizinho.

    Em tempos polarizados, nos quais muitos veem no militarismo uma saída enquanto outros não enxergam nada nos soldados além da farda, Jessé busca o diálogo em vez da verdade absoluta.

    "Efetivo Variável" consegue revelar, assim, tanto os problemas das Forças Armadas quanto as complexidades dos indivíduos dentro delas.

    Ser contado em primeira pessoa contribui, e muito, para levantar discussões em vez de apenas apontar o dedo.

    Efetivo Variável
    Jessé Andarilho
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    Com uma narrativa rápida e segura, Jessé Andarilho cria situações que divertem, emocionam, revoltam e, acima de tudo, nos fazem refletir sobre o tempo que atravessamos, abordando temas urgentes como racismo, machismo e segurança pública –sem nunca deixar de lado a história, que só cresce ao longo dos 16 capítulos do livro.

    "Efetivo Variável" é uma conversa franca com a atualidade. Por meio de uma aparente normalidade, seus personagens revelam o que todos nós temos de melhor e pior, vivendo histórias comuns, e portanto, extraordinárias.

    GEOVANI MARTINS é escritor, autor de "O Sol na Cabeça" (Companhia das Letras), ainda inédito

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