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    Biografia de Clodovil revela profundez do personagem, mas peca em apuração

    RAFAEL GREGORIO
    DE SÃO PAULO

    16/12/2017 02h00

    TONS DE CLÔ
    AUTOR Carlos Minuano
    EDITORA Best Seller
    QUANTO R$ 34,90 (182 págs.)
    AVALIAÇÃO (regular)

    *

    O leitor provavelmente sabe que Clodovil Hernandes foi um estilista de sucesso e um apresentador de TV explosivo.

    Mas saberá que ele atuou em quatro filmes e três peças? Que virou nome de carro, o Monza Clodovil, e foi demitido a pedido de Ulysses Guimarães (1916-1992) após chamar a Constituinte de "prostituinte"? E que, deputado federal, criou a lei que proíbe produtos para crianças com aparência de cigarros?

    Essas e outras descobertas justificam "Tons de Clô", biografia recém-lançada pela editora Best Seller. É o primeiro livro publicado por Carlos Minuano, 45, jornalista e escritor.

    Clodovil se tornou assunto para o autor em 2012, como uma pauta de uma reportagem; a missão era conhecer uma mostra em Ubatuba em homenagem ao estilista, que havia morrido em 2009, aos 71 anos.

    Mas a história cresceu. "Foram dois anos e meio de pesquisa e de entrevistas", diz o autor.

    O resultado é farto em descrições do talento de Clodovil como estilista, pontuadas pelas muitas celebridades que vestiu, como Hebe Camargo, Elis Regina e Cacilda Becker.

    Descobrimos que nasceu em Elisiário (SP), estudou em colégio de padres e fez seu primeiro desfile aos 18 anos, antes de vir a São Paulo, em 1959.

    O livro tem entre os prós os trunfos inerentes à multifacetada personagem, mas não só. Dualidades, por exemplo, são bem exploradas: o gay que dizia não ter "orgulho de transar com homem". O profissional dedicado, mas impetuoso. O polemista rancoroso, mas solidário na morte do rival.

    DO 'PRÊT-À-PORTER' ÀS 'SANDÁLIAS'

    Enquanto traça a personalidade do biografado, Minuano tangencia os primórdios da moda brasileira, quando estavam no auge Dener Pamplona (1937-1978), Matteo Amalfi (1932-2014), Ronaldo Ésper e Clodovil.

    Expoentes da primeira geração de estilistas que acabaram atropelados pela chegada de marcas europeias, como a Dior. Era o declínio da moda sob medida, escanteada pelo consumo de massa, o prêt-à-porter.

    "Clodovil é de uma época em que a figura do estilista ainda se confundia com a do costureiro. Quando ele 'importou' as ideias das vitrines de Paris, acrescentou um verniz brasileiro às criações, mais leves e solares", comenta Pedro Diniz, colunista de moda da Folha.

    Para ele, "a moda segue uma lógica cruel com os legados". Dessa dinâmica, afirma, são também exemplos Clô Orozco (1953-2013) e Zuzu Angel (1921-1976).

    Da época de ascensão e queda, virou marca a briga —fajuta ou nem tanto— com Dener, que a imprensa apelidou de "guerra das tesouras" e que, anos depois, inspirou a novela "Ti-Ti-Ti".

    Falando em TV, foi nela que Clodovil investiu ao se ver ameaçado. Após participações pontuais em programas de auditório, integrou o antológico "TV Mulher", em 1980, na Globo. Apresentado por Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias, tinha participantes como Marta Suplicy, que dava conselhos sobre vida sexual.

    A partir daí, o livro detalha as inimizades conquistadas por Clô na TV, embora faltem os outros lados.

    Também descreve as passagens por diferentes canais, quase sempre repetindo o padrão: arroubo impetuoso + ofensa a alguém poderoso = demissão. Foi assim na Globo, na Bandeirantes, na Manchete, na CNT, na Rede Mulher e na Rede TV.

    Neste canal, a carreira chegou ao auge e ao fim. Em 2003, Clodovil estreou à frente do "A Casa é Sua", de audiência respeitável. Mas aí veio o "Pânico na TV", que o perseguiu para que calçasse "sandálias da humildade", quadro no qual celebridades tidas por arrogantes eram convidadas —obrigadas?— a se redimir.

    Clô não gostou. A irritação alimentou o ibope dos programas, mas lhe rendeu uma caçada —os comediantes chegaram a usar um helicóptero. Ele deixou a TV e, em 2006, foi eleito deputado federal com a terceira maior votação de São Paulo.

    ASSASSINADO?

    É preciso notar que a pesquisa por vezes é rasa, e o próprio autor lamenta que haja poucas fontes —Clodovil não deixou filhos ou parentes vivos— e que muitas disponíveis tenham recusado entrevistas, casos de Faustão e Silvio Santos.

    Ainda assim, é temerário falar em temas delicados como Aids e uso de cocaína citando somente uma amiga dele.

    Outras dificuldades pareceram suspeitas. "Achava que o instituto Clodovil Hernandes [chefiado por Maurício Petiz, ex-assessor de imprensa de Clodovil], que tem a posse do acervo, seria a principal fonte, mas ele e a advogada inventariante se recusaram a falar", diz Minuano.

    A obra cita denúncias de desvios cometidos por pessoas próximas ao estilista, mas a falta de provas deixou de fora certas histórias.

    O autor também não deixa de mencionar teorias segundo as quais Clodovil não morreu após o terceiro AVC em poucos anos.

    Tons de Clô
    Carlos Minuano
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    "Não duvido que ele estivesse abalado por ter acabado de descobrir que era roubado", diz o biógrafo, que diz ter recebido ameaças durante a investigação.

    As lacunas, contudo, não comprometem o propósito maior de resgatar uma figura abandonada pela história recente, um frasista perspicaz e implacável:

    "Não existem mais estilistas; é um monte de bichas."

    "Se o Collor tinha aquilo roxo, o meu é rosa-choque."

    "Clô para os íntimos, Dô pra quem eu quiser e Vil para os inimigos."

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