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    ao seu tempo

    Frequência em programas culturais é maior entre idosos mais ricos

    GUSTAVO FIORATTI
    DE SÃO PAULO

    18/12/2017 02h00

    Toda quinta, a professora aposentada Mitika Sawao, 79, vai ao cinema. Esse é o dia em que o marido de 85 anos, que tem a saúde debilitada, fica em casa, no bairro Parque dos Príncipes, na zona oeste, sob o olhar de uma cuidadora. Ela não acha caro o preço da meia-entrada a que tem direito por causa da idade.

    Sawao não tem o comportamento do brasileiro comum. Está incluída na minúscula fatia de 1% dos idosos com renda familiar acima de cinco salários mínimos que vão ao cinema pelo menos uma vez por semana.

    Segundo pesquisa do Datafolha sobre como o brasileiro se relaciona com a idade, 65% dos entrevistados acima dos 60 anos e que têm o mesmo perfil de renda de Mitika nem sequer têm o hábito de ir ao cinema uma vez ao ano. A frequência cai ainda mais quando o tema são peças e shows.

    VIDA BOA
    Idade e cultura
    A artista plástica Sônia Gomes, 69, trabalha em obra que vai expor na Bienal do Mercosul

    A pesquisa mostra que o interesse por programas culturais diminui conforme a idade aumenta. Entre pessoas que têm de 16 a 24 anos, 68% afirmaram que costumam ir ao cinema. Quando o perfil é acima dos 60, apenas 15% deram a mesma resposta.

    Se a frequência em eventos culturais se perde conforme avança a idade, as diferenças são ainda maiores quando a comparação inclui variações de renda. Entre brasileiros com 60 anos ou mais que têm renda familiar de até dois salários mínimos, 93% não costumam ir ao cinema.

    Esse índice cai para 82% quando a faixa sobe para entre dois e cinco salários mínimos e vai a 65% em relação aos idosos que recebem mais de cinco salários mínimos.

    Costuma ir -

    O arquiteto João Martini, 64, se encaixa no perfil: ganha mais de dez salários mínimos e tem vida cultural intensa. Morador do bairro Cerqueira César, na zona oeste, vai ao cinema três vezes ao mês e é frequentador assíduo de concertos e óperas.

    Neste ano, encantou-se com uma exposição exibida no Instituto Moreira Salles, "The Clock", do suíço-americano Christian Marclay, concebida para funcionar 24h por dia. "Quase pedi uma ambulância para me tirar de lá", brinca.

    A vendedora e cozinheira autônoma de massas caseiras Maria Iracema Cristino Roque, 78, não tem oportunidade semelhante.

    Ela, que ganha entre dois e três salários mínimos e mora na Casa Verde, zona norte, diz que a distância entre sua casa e os principais equipamentos culturais da cidade, somada à violência e à falta de estrutura urbana, a desestimula. "Perto de casa não tem teatro. Se tivesse, eu iria."

    Leia abaixo o mesmo questionário respondido por Sawao, Roque e Martini.

    *

    Um restaurante ideal para comemorar bodas de prata ou ouro?
    Maria Iracema - O Maná da Serra, na rua do Horto, 249 [Horto Florestal]. É o restaurante da minha prima Maria de Castro.
    João Martini - Um restaurante afetivo... O quintal da minha casa é o Tavares [no Jardim Paulista].
    Mitika Sawao - Embora eu tenha comemorado minhas bodas de ouro em casa, recebendo amigos e familiares, e, embora tenha sido uma delícia recebê-los, uma sugestão seria o restaurante Issao, na rua da Glória, na Liberdade.

    Um lugar para comemorar o aniversário?
    Maria Iracema - Na Espanha, em Valência, onde morei por um ano trabalhando como cozinheira.
    João Martini - Eu sempre comemoro o meu aniversário viajando. É o meu presente.
    Mitika Sawao - O restaurante Junji Sakamoto, do shopping Iguatemi [do chef Jun Sakamoto].

    Um cinema que eu frequentei e que não existe mais?
    Maria Iracema - O Cine Marrocos, perto do largo do Paissandu, na região central de São Paulo.
    João Martini - Ah! São tantos: Bijou, Picolino, Paulista, Paulistano, Arlequim...
    Mitika Sawao - Cine Brasil, na rua Teodoro Sampaio.

    Um teatro que eu ainda quero conhecer?
    Maria Iracema - Teatro Bradesco no shopping Bourbon, na Pompeia.
    João Martini - Acabei de conhecer o Teatro de Contêiner Mungunzá, com uma peça do meu sobrinho Gabriel Labaki. Agora espero pelo Cultura Artística, cuja construção começará no ano que vem.
    Mitika Sawao - São dois. O teatro Porto Seguro, que fica na região da Luz, e o Cetip, que fica dentro do Instituto Tomie Ohtake, em Pinheiros.

    Um lugar da cidade para ficar em silêncio?
    Maria Iracema - Tem lugar na cidade para ficar em silêncio? Só se for na igreja.
    João Martini - O auditório da Sala São Paulo durante os concertos da Osesp, por favor. Tem muita gente que acha que não...
    Mitika Sawao - A praça City Boaçava.

    Uma escultura ou pintura da cidade que ainda me inspira?
    Maria Iracema - As pinturas que vemos nos prédios quando passamos pelo elevado João Goulart, o Minhocão. Ah, também o jardim vertical que a gente vê de lá.
    João Martini - Gosto muito das lagostas daquela fonte do pescador [na praça Júlio Mesquita]. É triste vê-la sempre fechada, cercada. Hoje, parece que está em um boxe de banheiro. É a anti-inspiração!
    Mitika Sawao - Uma escultura que fica dentro do Cemitério São Paulo, na rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros. É a imagem de uma mãe com um bebê no colo estilizada.

    Algo que está passando atualmente na televisão e que me interessa?
    Maria Iracema - Nada. A gente assiste, porque a gente está em casa, à novela das nove [passa atualmente na Globo "O Outro Lado do Paraíso"].
    João Martini - A TV, como toda boa companhia, não pode ser repetitiva. Se ela não varia, vario eu. Vejo novelas, séries, jornais. Hoje gosto da série "Cidade Proibida" [da Globo].
    Mitika Sawao - Tudo que passa no canal Arte 1.

    Uma calçada para encontrar os amigos?
    Maria Iracema - Calçada da frente da minha casa no interior, em Santa Maria da Serra, no Estado de São Paulo. E também na calçada aqui de casa mesmo.
    João Martini - Nenhuma! Toda calçada parece feita para derrubar a gente. E sou o rei do tombo.
    Mitika Sawao - Gosto da avenida Paulista aos domingos e feriados quando ela está aberta para os pedestres.

    O melhor dia da semana para ir ao museu?
    Maria Iracema - Quinta-feira.
    João Martini - Todos. Vale o impulso, o desejo e os pensamentos nos percursos de ida e volta.
    Mitika Sawao - Terça-feira.

    Uma música que me traga boas lembranças?
    Maria Iracema - "Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim, que nada nesse mundo vai tirar você de mim..." É de "Eu Não Existo sem Você", de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, na voz de Maysa.
    João Martini - Alguma da Elis, a melhor cantora do Brasil.
    Mitika Sawao - "Singin' in the Rain" [canção de filme musical homônimo com letra de Arthur Freed e música de Nacio Herb Brown].

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