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    Ecos de Trump conduzem Matt Damon em 'Suburbicon', dirigido por Clooney

    BRUNO GHETTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM VENEZA

    20/12/2017 02h00

    Quando "Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso", que estreia nesta quinta (21), começou a ser filmado, imaginar Donald Trump na Casa Branca era somente uma excentricidade da direita americana.

    Mas o longa, dirigido por George Clooney, parecia já concebido para criticar um país que ganharia força sob Trump: uma sociedade moralista que gosta de se vender como algo superior, mas esconde preconceitos e violências.

    "É incrível que o roteiro tenha sido escrito nos anos 1980", surpreende-se Matt Damon, o protagonista, ao lançar o filme no Festival de Veneza, em setembro.

    Ele se refere ao script que inspirou o roteiro reelaborado por Clooney, de autoria dos irmãos Joel e Ethan Coen (de "Onde os Fracos Não Têm Vez").

    Iniciantes à época, os Coen preferiram engavetar o material. "Você pode perceber a presença deles no filme. Olhando a carreira dos Coen você nota traços desse script em várias obras que fizeram depois, como 'Fargo'", diz Damon.

    "Suburbicon" aborda crimes familiares e tem aquele olhar corrosivo sobre os EUA típico de filmes dirigidos pelos Coen. A trama se passa nos anos 1950, em um subúrbio icônico do "american way of life". Pacífico, casas confortáveis e pessoas invariavelmente "felizes" —na aparência, claro.

    Uma família negra se muda para lá, mas é recebida logo com intolerância pelos vizinhos. Em paralelo, os personagens de Damon e Julianne Moore se envolvem em um brutal homicídio em família.

    "Vendo o que se passa no país agora, é preciso falar de racismo. É hora de falarmos sobre privilégio branco. Temos no filme um sujeito branco matando pessoas e andando com a roupa cheia de sangue, e ninguém faz nada", diz Damon sobre seu personagem.

    "O filme mostra o que está sob o verniz de uma sociedade aparentemente perfeita. Muitos de nós -eu inclusive- éramos ingênuos o bastante para achar que já superávamos a questão do racismo, mas não. É preciso voltar a isso, ao pecado original da escravidão", completa o ator.

    AMADURECIMENTO

    O pai de família "certinho" vivido por Damon, embora capaz de atrocidades, tem ares cômicos, como aqueles vilões de "cartoon" para quem tudo parece dar errado.

    O personagem, diz, tenta constantemente manter o controle da situação, mas sem sucesso. Ele apanha, até literalmente, dos contratempos.

    "Ele apaixona-se pela personagem de Julianne Moore por isso: por ela deixar que ele tenha essa impressão de que domina tudo", afirma Damon.

    A amizade entre o ator de 47 anos e o diretor George Clooney, 56, vem de anos. Quem já viu os dois juntos no mesmo set está habituado ao clima de pegadinhas recíprocas entre os dois galãs-meninões.

    "Sei que George mandava apertarem minha calça escondido para, a cada semana, eu achar que estava cada vez mais gordo", conta Damon. "Mas desta vez, como ele dirigiu o filme, teve menos tempo pra brincadeiras. Sinto que amadurecemos [risos]."

    Ou nem tanto: ao mencionar o motivo de Clooney tê-lo escolhido para o papel, o Damon brincalhão logo reaparece. "Tenho certas fotos comprometedoras de George, ele sabe disso. Garantem emprego para o resto da minha vida!"

    A entrevista à Folha retoma o tom mais sisudo quando o tema Trump ressurge.

    Damon lamenta que o republicano tenha sido eleito, mas não se diz frustrado como o fato de o eleitorado não ter votado como defendia Hollywood, que se manifestou em peso contra o hoje presidente.

    "O cinema não está aí para mudar o mundo. É antes uma ferramenta de geração de empatia, que ajuda o público a entrar da vida de outra pessoa. Contamos histórias como modo de alcançar o outro.

    E, como é a principal forma tecnológica que temos de narrar histórias, é importante usá-la para esse fim", afirma.

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