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    Crítica

    Signos liberais de George Clooney não fazem sentido em 'Suburbicon'

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    20/12/2017 02h00

    SUBURBICON - BEM-VINDOS AO PARAÍSO (regular)
    (SUBURBICON)
    DIREÇÃO George Clooney
    ELENCO Matt Damon, Julianne Moore
    PRODUÇÃO EUA, 2017, 16 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (21)
    Veja salas e horários de exibição

    *

    Os filmes de George Clooney costumam ter a cara de seus roteiristas. Em "Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso", eles são basicamente os irmãos Coen, portanto, ninguém estranhe que a imitação seja a marca mais evidente deste filme.

    De cara, a abertura decalca, quase explicitamente, a de "Calafrios" (obra de David Cronenberg de 1975). Segue-se uma trama envolvendo gêmeas diabólicas (tão clássica que não merece comentários) —ou ao menos uma delas. E um assassinato que tem por centro apólices de seguro, à maneira de "Pacto de Sangue" (do diretor Billy Wilder, de 1944). E por aí vamos.

    "Suburbicon" insere na história uma família negra, os Mayers, nesse bairro não apenas branco como ostensivamente racista. Não chega a ser algo tão original, mas o filme regride ao momento em que a integração racial nos EUA ainda engatinhava.

    Os Mayers são vizinhos dos Lodge, que enfrentarão uma enormidade de problemas ao longo do filme, a começar pelo assalto em que são vítimas de uma dupla de sádicos (ou ao menos podemos pensar assim por algum tempo).

    É a melhor cena do filme, em que a atmosfera de opressão se manifesta com força e nos faz estranhar a fraqueza de Gardner Lodge (Matt Damon), o chefe da família.

    Diga-se, a bem da verdade, que os assaltantes têm esses traços marcados demais, como se tivessem saído de uma comédia e entrado ali por engano. Eis a diferença entre os Coen e Clooney: os irmãos são maneiristas e sabem disso; Clooney, aparentemente, não.

    De volta ao filme: os Lodge fazem parte da minoria que não vê a presença de negros como ameaça a seu paraíso racial. Tia Margaret (Julianne Moore) inclusive estimula o sobrinho a brincar com o menino negro.

    Eis o problema criado! Não o fato de brincarem juntos. O problema é que a família negra não tem nada a fazer nesse bairro de brancos a não ser isto: ocupar um lugar que os brancos julgam ser exclusivamente deles. Ou, em outras palavras, não têm função dramática alguma. São signos.

    Sua existência consiste em afirmar o caráter liberal de George Clooney, de suas ideias antirracistas. Ou ainda cortejar o público liberal. Pode ser muito bom, mas não faz o menor sentido no filme.

    A trama segue seu curso policial: um assassinato, uma investigação, mais mortes. E a presença do menino branco, bastante esperto (talvez seja o melhor personagem do filme): pequeno e indefeso —teoricamente—, ele consegue se defender muito bem dos horrores que o cercam.

    George Clooney é um bom ator, ótimo galã, diretor de ideias avançadas, porém irregular como realizador.

    Seu melhor feito aqui está na direção de atores (Julianne Moore em especial está ótima) e na ambientação do bairro pacato.

    Que tudo vire um inferno em tom de farsa (de novo os Coen) é o tributo a um tempo de espectadores pouco dispostos a encarar uma tragédia de fato. O espírito dos irmãos Coen, vê-se, paira sobre a direção de Clooney.

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