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    Crítica

    Comediante valoriza retrato de jovem rejeitada em longa franco-belga

    LUIZ CARLOS OLIVEIRA JR.
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/12/2017 01h00

    JOVEM MULHER (muito bom)
    (Jeune Femme)
    DIREÇÃO Léonor Serraille
    ELENCO Laetitia Dosch, Souleymane Seye Ndiaye, Léonie Simaga
    PRODUÇÃO França/Bélgica, 2016, 14 anos
    Veja salas e horários de exibição.

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    "Jovem Mulher", primeiro longa-metragem de Léonor Serraille, é o que alguns chamariam de "estudo de personagem", ou tão somente de "retrato". A câmera cola em uma jovem de trinta anos e a acompanha durante todo o filme, registrando seus movimentos inquietos, suas oscilações de humor.

    A protagonista, Paula (Laetitia Dosch), acaba de ser rejeitada pelo namorado mais velho, que a mantinha numa relação abusiva, conforme rapidamente perceberemos.

    Sem ter onde morar e sem se entender muito bem com a mãe, Paula fica à deriva; sua vida se torna um vaivém incessante, entre lares provisórios e interações mais ou menos passageiras com outras pessoas.

    No cinema, um retrato se distingue de uma narrativa mais convencional por não priorizar o encadeamento romanesco ou a amarração cuidadosa dos eventos dramáticos, preferindo se concentrar no registro de pequenas vivências que, ao final, configuram o quadro existencial de um sujeito, seu modo de ser, sua personalidade.

    Trata-se de representar uma pessoa não por suas ações ou por seus feitos notáveis, mas pelos traços definidores do seu caráter.

    Em "Jovem Mulher", a moldura do retrato é incerta e a figura dentro dele é polimorfa, não cabe no clichê da personagem feminina à beira de um ataque de nervos.

    Numa cena no metrô, um rapaz de terno e gravata alerta Paula de que ela se esqueceu de tirar o crachá da loja de lingerie onde trabalha. A réplica de Paula quebra qualquer expectativa: "Sim, e você se esqueceu de tirar a gravata".

    Uma vez que Paula está em praticamente todos os planos de "Jovem Mulher", a performance da atriz que a interpreta se torna o centro energético do filme, cuja força depende muito do tipo de magnetismo que ela estabelece com a câmera.

    Os limites plásticos e dramáticos dos planos —sua composição, sua duração, sua intensidade— não parecem vir de fora, mas serem criados internamente, pela dinâmica de expansão e contração da área em que o corpo da personagem principal atua.

    Assim, o trabalho da diretora não consiste em arquitetar o quadro em que a ação se inscreverá segundo regras de mise-en-scène ditadas de cima, mas em criar as condições para que se potencialize a performance transbordante de Laetitia Dosch.

    É algo que John Cassavetes sempre fez muito bem e que os irmãos Dardenne em algum momento souberam fazer, e que tem a ver com a ideia de usar o cinema não para dar contorno e forma à realidade, mas, inversamente, para enfatizar que a vida é uma sucessão caótica de experiências.

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