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    Opinião

    Ligada em tudo, Anitta incomoda por parecer não se preocupar

    MARILIZ PEREIRA JORGE
    COLUNISTA DA FOLHA

    22/12/2017 16h57

    O melhor de toda a polêmica em torno do clipe "Vai Malandra" é a bateção de cabeça, as análises profundas, os textões nas redes sociais, a indignação de vários porque teve objetificação do corpo da mulher, porque teve apropriação cultural, porque teve glamorização da favela.

    Tem tudo isso mesmo. E talvez por isso seja tão bom. Entretanto o que vemos não é exaltação de nada, mas o retrato das favelas brasileiras. Claro, com uma pitada sexy-chic e a direção de Terry Richardson –sim, aquele acusado de assédio sexual e banido de várias publicações. Mas assistir ao clipe e apontar problemas relacionados a machismo e racismo é o mesmo que achar que um quadro que representa cena de pedofilia é apologia.

    O bronzeamento na laje, que desenha o biquíni com fita isolante, foi levado para o set. Mas existe. Assim como mulheres que fazem fila para ficar com marquinha minúscula e depois cair de shortinho ou minissaia no batidão do funk. Não à toa muitos figurantes são moradores da favela. Porque ali está sendo contada a realidade deles.

    Não tem nenhum clichê exportação. Não tem praia, Carnaval, samba, mulata. O visual é sujo, a feiura é mostrada sem poesia.

    Não há exaltação à objetificação da mulher. Existe a vida como ela é e, para mostrar isso, Anitta encarna a cachorra do funk. Encheu o cabelo de tranças e depois usou aplique afro. Foi acusada de apropriação cultural. Por causa da favela, do cabelo, da pele mais escura. É só personagem.

    É tudo tão fictício que, no final, ela parece descer o morro envolta em uma roupa brilhante e capa. Uma Cinderela às avessas.

    Anitta esnoba o mensageiro do politicamente correto. Não basta querer o diferente e fechar os olhos para o que ocorre distante das salas de aula da juventude que acha que o mundo mudou por causa de hashtag nas redes sociais. Pode ser um começo, mas, para a brasileira pobre, a história ainda é outra.

    Foi divertido ver gente que acha ruim comercial de cerveja com mulher de biquíni, problematiza marchinha de Carnaval, protesta contra apropriação cultural e brada contra a cultura do estupro batendo palma para um vídeo que mostra que o mundo (infelizmente) não mudou tanto assim. Sejamos coerentes.

    Anitta incomoda. Parece não se preocupar com ninguém ao mesmo tempo que está ligada em tudo que importa hoje, como empoderamento e inclusão.

    Um detalhe, só um, sobre o qual quase ninguém falou –a música. É muito boa. Já é o hit do verão.

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