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    crítica

    Apaixonado, leitor perdoa até exageros de obra que parece papo

    ALVARO COSTA E SILVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    23/12/2017 02h00

    Néstor J. Beremblum - 30.dez.2013/Brazil Photo Press/Folhapress
    Os compositores Vinicius de Moraes (à dir.) e Tom Jobim
    Os compositores Vinicius de Moraes (à dir.) e Tom Jobim

    COPACABANA (ótimo)
    AUTOR Zuza Homem de Mello
    EDITORA 34/Edições Sesc
    QUANTO R$ 82 (512 págs.)

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    O início da história é uma zona. O primeiro samba-canção teve quatro títulos, três letras, três gravações com três cantores, quatro autores e uma mesma melodia.

    Como se tanta confusão não bastasse, um tema de harmonia refinada era cantado com sotaque caipira por uma vedete carioca numa revista burlesca. Em retrospectiva, é incrível como tudo deu tão certo.

    Desde a gravação de "Linda Flor" por Aracy Cortes, em 1929, o samba-canção se tornou um dos gêneros mais importantes da música brasileira, atravessando boa parte do século 20 como o preferido de nossos maiores compositores e intérpretes, de Herivelto Martins a Tom Jobim, de Jamelão a Maysa.

    Zuza Homem de Mello nos dá essa trajetória em "Copacabana".

    Você, que já leu "A Noite do Meu Bem", livro de Ruy Castro sobre o mesmo tema, agora pode bater no peito e dizer: "Sou especialista em samba-canção". E se, no embalo, se atrever a cantar "Marina", de Dorival Caymmi, ninguém vai reclamar.

    A tese, expressa nas mais de 500 páginas da obra, é certeira: o samba-canção é a plataforma do moderno. A grande novidade que ele preconizou, claro, foi a bossa nova, daí que o autor limita sua pesquisa entre 1929 e 1958.

    Mesmo assim, o estudo está longe da rigidez acadêmica e permite avanços no tempo, além de intervenções em primeira pessoa que dão à leitura um jeito de bate-papo. De preferência, num bar da avenida Atlântica, à tarde, pegando a brisa do mar.

    O segundo disco de Cartola, lançado em 1976, ganha uma análise carinhosa, e não era para menos. Nele estão gravados quatro sambas-canção de respeito: "As Rosas Não Falam", "O Mundo É um Moinho", "Peito Vazio" e "Cordas de Aço".

    O pioneirismo de Ary Barroso, com "Maria", de 1933, é apontado. Como em "Linda Flor', a letra teve de ser modificada para a música acontecer. Antes, ela se intitulava "Bahia" ("Bahia, cheguei hoje da Bahia/ Trouxe uma figa de guiné"). Luiz Peixoto definiu o lance para melhor: "Maria, o teu nome principia/ Na palma da minha mão".

    "Na Batucada da Vida", também da dupla, só seria inteiramente entendido em sua modernidade anos depois, com a gravação de Dircinha Batista e, sobretudo, com a de Elis Regina, em 1974.

    O livro chama atenção para Noel Rosa, cuja obra feita para o "meio de ano" (ou seja, fora do Carnaval) é farta em sambas-canção. Isso só seria reconhecido em 1950, com os célebres discos de Aracy de Almeida orquestrados por Radamés Gnattali.

    Copacabana - A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)
    Zuza Homem de Mello
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    Como os casais que dançavam coladinhos nas boates e clubes noturnos ao som do piano, "Copacabana" é um livro de apaixonado. O autor presenciou muito do que conta no livro: essa paixão passa para o leitor, que também acaba encantado.

    Até os exageros estão perdoados. Zuza escreve que "a extravagante Copacabana do século 19 seria o primeiro dos bairros que formariam a futura zona sul do Rio". Esqueceu Flamengo e Botafogo, talvez porque neles se ouvissem nessa época valsas, lundus, polcas, choros e maxixes. O samba-canção ainda demoraria a chegar.

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