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    CRÍTICA

    Espetáculo 'Iracema via Iracema' prima pela cumplicidade

    AMILTON DE AZEVEDO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/01/2018 02h00

    Christiane Forcinito/Divulgação
    Atriz Luciana Ramin em 'Iracema via Iracema', espetáculo encenado dentro de um ônibus
    Atriz Luciana Ramin em 'Iracema via Iracema', espetáculo encenado dentro de um ônibus

    IRACEMA VIA IRACEMA (muito bom)
    QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h30; até 4/2
    ONDE Sesc Pompeia - deque, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
    QUANTO R$ 6 a R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos

    *

    A Trupe Sinhá Zózima pesquisa, há dez anos, o ônibus como espaço cênico. Diversas obras foram realizadas tanto em ônibus de linha quanto no da companhia. Em conjunto com o coletivo Agrupamento Andar7, foi criado o espetáculo "Iracema via Iracema" –este encenado dentro de um veículo estacionado.

    O transbordamento entre as pesquisas dos coletivos é evidente: se o ônibus é o habitat natural da Trupe, elementos do teatro contemporâneo, como o "video mapping", e o hibridismo de linguagens do Agrupamento dão o tom da encenação.

    O ônibus, lar de Iracema –mulher de origem rural, semianalfabeta e que decide em dado momento morar dentro do transporte público, deslocando-se pela cidade–, é uma instalação que se integra com a performer, Luciana Ramin, que conduz toda a montagem.

    Na encenação eficaz de Anderson Maurício, iluminação (Tomate Saraiva), som (Rafael Paiola) e cenografia (assessoria de Mariana Chiarello) realizam o trânsito entre diversas atmosferas instauradas pela interpretação performática de Ramin em diálogo com o texto de Suzy Lins de Almeida.

    Trata-se de uma dramaturgia imbricada e recortada, por vezes difícil de acompanhar pelas súbitas transformações de humor e ambiente (o tom cômico se alterna com os dramas da personagem). Porém tal problemática não chega a incomodar: a relação entre Ramin e o público, que se senta nas poltronas do ônibus, se dá em grande cumplicidade.

    É uma obra participativa, que se alimenta da vivência do espectador. Uma experiência cênica de grande potência, ela consegue uma boa comunicação com o público. A atriz também brinca com a forma da própria encenação.

    Esse recurso, além de lembrar que se trata de teatro, negando qualquer ilusionismo, opera como suporte para a manutenção da conexão estabelecida. Por vezes, no entanto, Ramin parece lançar mão de fórmulas desnecessárias para manter tal ligação: há certo excesso nos comentários engraçadinhos.

    POPULAR

    Ainda que existam diversas camadas e certa complexidade, há um quê muito bem-vindo de teatro popular. "Iracema via Iracema" é um espetáculo acessível que não abre mão da pesquisa contemporânea de linguagem.

    Há ainda um plano místico no início, mas que rapidamente é quebrado, e a obra traz o público para o mais cotidiano, sem perder sua dimensão transcendental.

    Transitando nesses universos, percebe-se que aquela é uma Iracema entre tantas. São histórias que, abruptamente cortadas, parecem as que escutamos nos coletivos, de rabo de ouvido.

    Convidados a entrar na intimidade dessa Iracema plural, suas histórias de vida –densas e terríveis ou leves e divertidas– nos apresentam a miséria da mulher. Habitar o ônibus é não habitar lugar algum. Mas não há resignação: Iracemas teimam em nascer. Ainda que esquecidas e abandonadas à própria sorte, seguem vivendo.

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