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    crítica

    Livro com as 24 'Valsas Brasileiras' de Mignone ganha edição de luxo

    SIDNEY MOLINA
    CRÍTICO DA FOLHA

    27/01/2018 02h00

    Folhapress
    O músico Francisco Mignone, que teve 124 valsas catalogadas em sua obra
    O músico Francisco Mignone, que teve 124 valsas catalogadas em sua obra

    VALSAS BRASILEIRAS (ótimo)
    AUTOR Francisco Mignone
    EDITORA Tipografia Musical
    QUANTO R$ 65

    *

    O poeta Manuel Bandeira (1886-1968) chamava o compositor Francisco Mignone (1897-1986) de "rei da valsa". De fato, em entrevista concedida à Folha, a pianista Maria Josephina Mignone, viúva do músico, afirma que "foram catalogadas 124 valsas em sua obra".

    Dentre as escritas para piano solo, algumas foram concebidas em ciclos, como as 12 "Valsas de Esquina" (1938-1943), as 12 "Valsas-Choro" (1946-1955, dedicadas a Bandeira) e as 24 "Valsas Brasileiras" (1963-1984), que acabam de ser publicadas pela Tipografia Musical em edição "urtext" (o mais próximo possível da escrita original do autor).

    A edição contou com a supervisão técnica da própria Maria Josephina, e é um respiro bem-vindo em um mercado editorial que sofreu imensamente com a proliferação das cópias piratas, conjuntura agravada pela disseminação de transcrições amadoras (em geral repletas de erros) pela internet.

    Partituras de grandes clássicos da música brasileira foram sumindo do mercado na mesma medida em que as edições antigas se esgotavam, o que afetou inclusive o acesso a nomes consagrados, como Villa-Lobos (1887-1959), Lorenzo Fernandez (1987-1948) e o próprio Mignone.

    As "Valsas Brasileiras" surgem agora com projeto editorial digno das melhores edições internacionais, com índice temático, notas bilíngues e cuidado extremo com a visualização do texto musical.

    São evidentes as sutilezas de expressão, a sinalização para passagens das mãos entre as claves e, quando necessário para maior clareza, até mesmo a escrita em três pentagramas. Tudo é feito para facilitar a leitura, o manuseio do músico no instrumento.

    Mignone tem sido também resgatado por importantes ações, como a programação de diferentes composições pela Osesp e a previsão de lançamento de um CD totalmente devotado à sua obra pelo selo virtual da orquestra.

    Mais próxima da seresta e da modinha, com traços também diretamente inspirados nas linhas de baixo improvisadas ao violão pelos chorões, a valsa brasileira é, em geral, mais lenta e melancólica do que a original europeia.

    Essa característica, presente nas "Valsas Brasileiras", é também saliente em outros ciclos de Mignone, mas, segundo Maria Josephina, não pode ser generalizada, já que "A Valsa Elegante", por exemplo, que integra o repertório internacional do pianista brasileiro Nelson Freire, "não tem nada de brasileiro, tem uma característica forte de valsa francesa".

    A experiência de escutar as 24 valsas com partitura (há gravação da própria Maria Josephina) surpreende pela variedade com que Mignone aborda o gênero; seja na lenta nº 7, nas notas repetidas da nº 15 ou na truncada nº 21, o compositor desfila recursos técnicos ilimitados e uma intimidade total com o piano.

    A preferida de Josephina –que, aos 94 anos, segue ativa tocando e divulgando a obra de Mignone– é a nº 24. "Foi a última obra que ele escreveu. É muito dramática, sofrida, tem um grito de dor, a emoção que reflete o final de sua vida".

    Em 2016 ela lançou também "Cartas de Amor", livro que transcreve as cartas trocadas pelo casal entre 1964 e 1982. É um belo retrato da época, do meio musical frequentado pelo compositor e da conexão amorosa entre eles.

    Divulgação
    Detalhe de partitura que integra o livro 'Valsas Brasileiras'
    Detalhe de partitura que integra o livro 'Valsas Brasileiras'

    Ao se casar com Mignone, Maria Josephina imprimiu novo rumo à sua carreira: "Deixei o repertório tradicional de piano de lado para me dedicar exclusivamente à música de meu marido", afirma.

    Dez anos mais jovem do que Villa-Lobos e dez mais velho do que Camargo Guarnieri (1907-1993), Mignone nasceu em São Paulo, no mesmo ano do carioca Pixinguinha (1897-1973). Tocou flauta com músicos populares antes de completar os estudos em Milão.

    Em 1922 sua "Congada" foi regida por Richard Strauss (1864-1949) em São Paulo. "Ele fez várias versões da Congada", afirma Josephina, "e, por ter temperamento alegre, reclamava quando interpretavam suas obras muito lentamente... principalmente das cantoras."

    Apesar do caráter improvisatório das "Valsas Brasileiras", a pianista recorda que "ele escrevia direto na pauta, e só ia ao piano quando já estava tudo pronto. Eu o vi escrever duas óperas inteiras sem nunca ir ao piano. Ele dizia que o compositor é como alguém que, conhecendo a gramática, escreve uma carta e coloca no papel tudo o que tem na cabeça. Para ele, era simples."

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