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    Leia o prólogo de "Reagan e Thatcher - Uma Relação Difícil"

    DE SÃO PAULO

    18/03/2012 08h00

    "Perdemos um grande presidente, um grande americano, [...] eu perdi um grande amigo", disse Margaret Thatcher em um vídeo gravado para o funeral do presidente Ronald Reagan, morto em 2004.

    Apesar das aparências, a relação anglo-americana durante os oitos anos em que estiveram no poder concomitantemente não foram das melhores.

    Em "Reagan e Thatcher - Uma Relação Difícil" [trad. Dinah Azevedo, Record, 336 págs., R$ 49,90], o historiador britânico Richard Aldous, especialista nas relações entre EUA e Reino Unido, embasa sua tese com documentos agora acessíveis com a abertura de acervos dos dois políticos e disponíveis na internet.

    Segundo Aldous, os médicos recomendaram que Thatcher não fizesse o discurso para o funeral ao vivo. A fala, então, foi gravada.

    Clique aqui para assistir ao vídeo

    Leia, abaixo, o prólogo do livro do historiador Richard Aldous.

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    Cerimônia pública do funeral do presidente Reagan, 11 de junho de 2004. Margaret Thatcher mantém a expressão impassível enquanto suas palavras, gravadas de antemão, ecoam pela Cathedral Church of Saint Peter and Saint Paul, de Washington DC. A seu lado estava o homem que ela introduziu no palco mundial com palavras célebres: "Posso fazer negócio com o sr. Gorbachev". Bem em frente dela estava sentada Nancy, a viúva de Reagan, que havia convidado a ex-primeira-ministra para falar durante a cerimônia e depois acompanhá-la no Air Force One até a Califórnia para o sepultamento.

    George W. Bush, o presidente em exercício, ouvia atentamente, sabendo que seu próprio discurso fúnebre seria julgado de acordo com o parâmetro criado pela "Dama de Ferro". Poucos questionaram a posição de igual de Thatcher nessa cerimônia. Seu tributo ao presidente --gravado em videoteipe porque os médicos foram contra Thatcher falar ao vivo-- foi ao mesmo tempo afetuoso e esclarecedor. Era evidente que ela sentia muito orgulho da amizade que tivera com o presidente e do papel que ambos tiveram na transformação do mundo. "Perdemos um grande presidente, um grande americano e um grande homem," disse ela naquele seu estilo resfolegante familiar. "Perdi um amigo querido... Outros profetizaram o declínio do Ocidente. Ele inspirou os Estados Unidos e seus aliados com uma fé renovada em sua missão de liberdade." Falando depois com a CNN, Harold Evans, o eminente comentarista e ex-editor do Sunday Times, concluiu: "Churchill e Roosevelt tinham uma relação; acho que a relação entre Thatcher e Reagan era mais íntima ainda que a de Churchill e Roosevelt."

    Reagan e Thatcher certamente teriam adorado a conclusão de Evans. Era uma visão que eles procuraram alimentar conscientemente durante o período em que ambos ocuparam seus cargos, principalmente nos últimos anos. Ambos a enfatizaram vigorosamente em suas memórias e reminiscências. Mas essa fachada mascarava a realidade de uma relação complexa, até mesmo tumultuada.

    Reconstruir essa relação competitiva é possível através do abrangente material primário que agora está à nossa disposição em arquivos públicos e particulares. Os historiadores não são mais obrigados a contar somente com material casual, ou mesmo com as memórias excelentes publicadas durante o período estudado. Em vez disso, a veemência dos debates vigorosos sobre diferenças estratégicas cruciais ganha vida outra vez em documentos abertos recentemente ao público. Um exame cuidadoso das fontes contemporâneas mostra uma relação cotidiana muito distante dos mitos do passado.

    Dezenas de milhares de páginas de documentos oficiais relativos a Ronald Reagan e Margaret Thatcher estão agora à nossa disposição em ambos os lados do Atlântico. Os diários de Reagan são domínio público. Os papéis do arquivo particular de Margaret Thatcher podem ser examinados por qualquer pessoa. Além dessas fontes escritas, existem extensos projetos de história oral que gravaram e extraíram informações das lembranças de figuras-chave de ambos os governos. Em todos os sentidos, a era Reagan-Thatcher agora é história.

    Até a própria Margaret Thatcher, com o passar do tempo, estava preparada para baixar um pouco a guarda a respeito de sua relação com o presidente. Durante a visita a Chequers em 2008, ela contou a Sarah Brown, a mulher do primeiro-ministro, o segredo de sua relação com Reagan. "Deu tudo certo," disse Lady Thatcher, "porque ele tinha mais medo de mim do que eu dele." Sir Nicholas Henderson, o embaixador de Thatcher em Washington quando Reagan foi eleito, não teria ficado surpreso com essa análise pouco lisonjeira. Num encontro acidental com Tony Benn, ex-ministro trabalhista, na década de 1990, este lhe perguntou se algum dia havia tomado conhecimento de algo realmente sigiloso.

    Depois de pensar por alguns momentos, o embaixador respondeu: "Se eu lhe contasse o que a senhora Thatcher realmente achava do presidente Reagan, prejudicaria as relações anglo-americanas."

    Eis aqui a história dessa relação difícil.

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