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    Dustin Hoffman encara seus demônios

    SIMON HATTENSTONE
    DO "GUARDIAN"

    08/01/2013 15h00

    Dustin Hoffman está falando ao telefone com sua mulher. Eu sei que não deveria ficar ouvindo, mas não consigo resistir. É a voz. "Onde é sua reunião? Boa sorte. Tchau." Uma voz tão vagarosa, profunda e rica, como chantilly batido com cascalho. Mesmo quando começou, 45 anos atrás, em "A Primeira Noite de um Homem", fazendo o virginal Benjamin Braddock prestes a ser iniciado no amor e no desejo, ele já tinha essa voz.

    Hoffman é um ator extraordinariamente convincente. Quando ele transpira loucamente em "Sob o Domínio do Medo", o suor é real; você praticamente consegue sentir seu cheiro quando ele faz o vagabundo aleijado Ratso em "Perdidos na Noite", e, quando ele traja vestido e sapatos de salto em "Tootsie", você sabe que ele realmente aprendeu a andar como uma senhora. No final, porém, tudo remete à sua voz.

    Mario Anzuoni/Reuters
    Dustin Hoffman fala em encontro com jornalistas estrangeiros que cobrem Hollywood em agosto de 2012
    Dustin Hoffman fala em encontro com jornalistas estrangeiros que cobrem Hollywood em agosto de 2012

    E às escolhas que ele fez. Em sua carreira há surpreendentemente poucos filmes ruins e uma porcentagem alta de clássicos. Além dos citados acima, há "Todos os Homens do Presidente", "Pequeno Grande Homem", "Maratona da Morte", "Kramer vs. Kramer". Quando não foram clássicos, foram ganhadores de Oscar ("Rain Man", em que ele fez o autista Raymond Babbitt).

    Mas nos últimos anos ele vem se tornando por assim dizer ator de meio período, optando por atuar em comédias descartáveis (Bernie Focker em "Entrando numa Fria Maior Ainda"), dublagens de filmes animados, como "Kung Fu Panda", ou narração de documentários.

    Hoje a voz está aqui para falar de direção, mais que de atuação. Trinta e seis anos depois de começar a fazer seu primeiro filme, Hoffman finalmente completou um, aos 75 anos de idade. "Quartet" é um filme dirigido com habilidade e calor humano sobre um lar para cantores líricos aposentados. E isso impõe a pergunta: por que ele levou tanto tempo para dirigir?

    "Acho que esse é um de meus demônios. Tem sido, até agora", ele diz. Para me explicar a resposta, ele me faz voltar até meados dos anos 1970, quando comprou os direitos cinematográficos de um filme intitulado "No Beast So Fierce", sobre um criminoso reincidente na penitenciária de San Quentin. Hoffman levou dois anos conseguindo financiamento, escolhendo o elenco e convocando a equipe técnica do filme, cujo título tinha mudado para "Straight Time" e que ele então começou a dirigir. E o ator que é famoso por dizer a diretores quando estão equivocados descobriu que era incapaz de tomar uma decisão.

    "Eu fazia uma tomada em que eu estava e perguntava: 'O que vocês acham?' E o diretor de fotografia achava bom e me mandava continuar, o editor dizia que a tomada não prestava, e isso foi acontecendo inúmeras vezes, até que eu mesmo não sabia mais o que era bom ou não. Perdi minha objetividade. Eu me demiti porque não tínhamos playbacks." Mas na realidade, diz ele agora, isso é bobagem, apenas uma desculpa. Ele se demitiu porque ficou perdido.

    Conto que eu ouvi dizer que ele se demitiu porque não tinha com quem gritar. Hoffman dá risada. "Essa é uma história legal, mas não é verdade. Eu não grito como diretor. Não grito como ator. Já aconteceu de eu gritar com produtores e chefes de estúdio, mas não acho bom gritar com pessoas que não podem gritar de volta. Não gosto das pessoas que gritam, o tipo de pessoa que chuta cachorro morto --ou seja, diretores que gritam com figurantes e pessoas que são obrigadas a ouvir caladas."

    Ele teve razão em se demitir? "Não." Por que não? "Bem, porque pessoas antes de mim foram capazes de dirigir filmes e atuar neles. Orson Welles não precisou de um monitor em 'Cidadão Kane', e eu não deveria ter deixado que isso me desanimasse. Mas deixei." Hoffman fala com grande intensidade. Ele ouve com intensidade igual, especialmente elogios, que devora com voracidade.

    "Straight Time" acabou sendo dirigido por Ulu Grosbard e lançado em 1978, com Hoffman no papel principal. Ele tem orgulho do filme, mas nunca foi convidado a dirigir outro. "Senti que eu tinha desperdiçado minha chance. Senti que de algum modo eu não era autorizado a dirigir; sou autorizado a ser ator, não a ser diretor. Todos nós fazemos isso --adiamos coisas porque não sentimos que temos direito a elas. A não ser que você seja uma das poucas pessoas que não têm demônios."

    DESPERDÍCIO

    Hoffman tem um histórico de oportunidades desperdiçadas. A lista de filmes que ele deixou de fazer é tão impressionante quanto a dos filmes que ele fez. A razão disso, ele conta, é que ele nunca planejou ser astro de cinema --e continuou a não ter esse plano. Quando estrelou "A Primeira Noite de um Homem", Hoffman estava longe de ser um galã de Hollywood --era baixinho, tinha tiques nervosos, parecia um hamster--, mas possuía uma timidez sedutora, uma beleza de garoto e, é claro, sua voz ímpar.

    Os diretores passaram a fazer fila para trabalhar com ele, mas Hoffman rejeitou virtualmente todos. Ele não achava que era a pessoa certa para os filmes, não gostava do auê e queria voltar ao teatro. Dois anos depois, em 1969, ele voltou a ganhar destaque com "Perdidos na Noite", que lhe deu sua segunda indicação ao Oscar. Depois do certinho Benjamin Braddock, não poderia ter sido um papel mais inesperado.

    Divulgação
    O ator Dustin Hoffman em cena do filme "A Primeira Noite de um Homem"
    O ator Dustin Hoffman em cena do filme "A Primeira Noite de um Homem"

    Mike Nichols, que dirigiu "Primeira Noite de um Homem", perguntou o que diabos Hoffman estava fazendo --ele tinha lhe dado sua grande oportunidade, e Hoffman a estava jogando fora. "Ele me ligou e perguntou 'por que você está fazendo esse sujeito desagradável? É um papel coadjuvante'. E eu disse 'porque gosto'. Veja bem, comecei a atuar 12 anos antes de 'Primeira Noite de um Homem' chegar e me converter em astro instantâneo. Depois disso, passei a receber roteiros diariamente, sendo que antes não me mandavam nenhum, e eu simplesmente disse 'não'. Eu recusei muitos filmes."

    Digo que já ouvi sobre isso. "Sim, isso é outro demônio meu. Já recusei alguns projetos maravilhosos." Por exemplo? "Você quer uma lista?" E ele começa a contar. Não os filmes que ele deixou de fazer, apenas os que ele lamenta ter deixado de fazer. "Ingmar Bergman, 'The Touch', porque minha primeira mulher estava grávida e não queria se afastar do obstetra dela em Nova York para ir à Suécia." Foi realmente por isso que ele rejeitou Bergman? "Oh, eu sempre fiz racionalizações fantásticas. Elas raramente são a verdade. A gente pode encontrar razões para não fazer qualquer coisa."

    Voltando à lista: "'Contatos Imediatos de Terceiro Grau'. Spielberg diz que eu já o rejeitei mais vezes que qualquer outro ator. Finalmente fizemos 'Hook' juntos." Você poderia ter escolhido um filme melhor de Spielberg, não? "Finalmente eu fui obrigado a dizer 'sim'! E fico feliz por ter aceitado. Então deixei de fazer 'Contatos Imediatos', o filme sobre escravos, uma história de amor que Richard Dreyfuss fez e 'Schindler'." Quem ele teria sido nesse último filme? "Eu teria feito o papel que ficou com Ben Kingsley." Digo a ele que eu teria preferido ver ele, Dustin Hoffman, como o contador de Schindler. "Eu queria que você dissesse isso a Kingsley." Ele dá risada. "Sim, isso mesmo, ligue para ele agora. Ligue para sir Ben!"

    E ele volta a contar nos dedos. "Ah, eu recusei Fellini." Por que diabos ele recusaria a oportunidade de trabalhar com Fellini? "Essa é uma pergunta que eu me fiz anos depois. Há um motivo." Hoffman parece estar sem jeito. "Ele não filmava com som normal. Ele filmava apenas com uma trilha para orientar a ação, porque lá tudo é dublado, e eu achei que isso comprometeria a atuação. Eu disse que pagaria para o filme ser feito com som direto, e Fellini disse que não, não era assim que ele trabalhava. Eu adoro Fellini e eu o rejeitei." Isso é um absurdo, digo eu. Hoffman concorda. "Sempre procurei motivos para deixar de fazer alguma coisa."

    Ele já está ficando mais à vontade. "Tenho um exemplo ainda maior." Não sei ao certo se ele está se gabando ou se está lamentando. "Espere um instante", digo eu, "ainda não acabei com Fellini."

    "Ok", diz Hoffman, "é sua sessão terapêutica."

    "Você acha que teve razão em não ceder em relação ao som?"

    "Na época, achei que sim. Hoje penso que não."

    "Quando você se deu conta de que estava errado?"

    "Aos poucos, aos poucos. O filme era intitulado 'Cidade das Mulheres'. Não era um dos melhores filmes de Fellini." É como se Hoffman ainda estivesse tentando justificar o que fez.

    BOLO EM BECKETT

    Agora ele está impaciente, ansioso por superar as rejeições de Fellini e Bergman. "Houve um momento em que eu deveria ter um encontro com Samuel Beckett num bar em Paris para fazer um revival de 'Godot', e eu dei o bolo. Fiquei dando voltas do quarteirão. Não consegui entrar por aquela porta."

    Você deu o bolo em Samuel Beckett? Estou ultrajado. "Sim." Hoffman ri tão baixinho que mal é possível ouvi-lo. "Fiz de conta: 'Oh, eu não sabia que era hoje'." Ele para. "Eu queria ter conhecido o homem. Tenho vergonha de mim mesmo."

    Você voltou para casa e admitiu para sua mulher o que tinha feito? "Minha primeira mulher", ele ressalva. "Não, pelo que eu me recordo ela falou 'você não tem um encontro marcado hoje com Samuel Beckett?' E eu disse: 'Não, era apenas uma possibilidade, não chegou a ser marcado realmente.'" Quando você admitiu que faltou ao encontro com Beckett? "Nunca. Admiti apenas para mim mesmo, e precisei de alguns anos para conseguir."

    Se essas oportunidades aparecessem hoje, você... Hoffman responde antes de eu ter concluído a pergunta. "Eu não cometeria os mesmos erros. Algumas pessoas são alcoólatras, algumas são viciadas em drogas. Algumas pessoas recusam grandes momentos em suas vidas. Acho que eu me enquadrei nessa categoria."

    Pergunto se ele o fez por ser preguiçoso, e ele diz que não, tudo menos isso. Ele dá uma explicação complicada que o conduz de volta à sua infância. "Não era uma desculpa para não trabalhar... é que era difícil para mim me permitir fazer sucesso. Eu teria me sentido muito mais à vontade mal conseguindo ganhar a vida como ator, que é tudo o que eu esperava. Enxerguei 'Primeira Noite de um Homem' como um acidente, algo que fugiu do padrão. Acho que durante muitos anos depois disso, tentei me distanciar do sucesso desse filme."

    Dustin Hoffman nasceu em Los Angeles, filho de pais judeus. Sua mãe, Lillian, era atriz ocasional e pianista de jazz, e seu pai, Harry, escavava valetas, trabalhava como responsável por acessórios num estúdio de cinema e foi demitido no dia em que Dustin nasceu, tornou-se microempresário, foi à falência e acabou vendendo móveis.

    "A gente comia Cornflakes no jantar, muitas vezes", ele já disse em outras ocasiões. Quando Hoffman atuou em "Morte de um Caixeiro Viajante", baseou seu Willy Loman em seu pai. O jovem Dustin era um músico de talento, e Lillian queria que ele estudasse piano clássico, mas ele preferiu o jazz, mudou de aula e em pouco tempo decidiu que não era bom o suficiente para dar certo.

    Hoffman não foi um ótimo aluno, não teve notas boas o suficiente para entrar na universidade e estudou teatro no "junior college" (um curso pós-colegial de dois anos) apenas porque um amigo lhe disse: "Eles não vão reprovar você. É como educação física, ninguém tira nota F." Ele gostou imediatamente de atuar, dizendo "foi a primeira coisa que fiz que não era dolorosa". Foi estudar em Los Angeles, no Pasadena Playhouse, ao lado de Gene Hackman.

    Nos anos 1950, mudou-se para Nova York, dividiu um apartamento com Hackman e Robert Duvall, estudou com Lee Strasberg, trabalhou em empregos diversos (atendente num hospital psiquiátrico, garçom, lavador de pratos, datilógrafo, na chapelaria de num teatro, gritador de manchetes na Times Square durante uma greve de jornais, vendedor de brinquedos na Macy's) e no teatro sempre que pôde. Mas ainda estava se afogando em incertezas. Ele comparava seu rosto, marcado pela acne, a uma área de tiro; sofria de pólipos, usava aparelho fixo nos dentes e era baixo. Sim, ele pensava que poderia sobreviver com dificuldade como ator, mas apenas isso.

    Quando começou a atuar, ele achou que poderia ser protagonista de filmes? "Meu Deus, não. Não mesmo. Eles lhe dizem o que você é." Quando ele falou que queria atuar, sua tia Pearl opinou que ele não era bonito o bastante. O que os diretores de elenco lhe diziam? "Me diziam que eu era um ator para fazer papéis coadjuvantes de jovens." Um judeu coadjuvante ou um jovem coadjuvante? Ele dá um sorriso malando. "É isso o que quero dizer. Há um código. Você é o judeu de aparência engraçada que está ao lado de Robert Redford." Você queria ser Redford?

    "Antes mesmo de pensar em atuar, assisti a 'Juventude Transviada' e tive vontade de ser James Dean." Por que não Marlon Brando? "Brando era o ícone. Teria que ser idiota para imaginar que poderia ser Brando. No caso de Dean, eu podia comprar uma jaqueta vermelha e olhar no espelho. No segundo ano do curso de atuação, eu disse a mim mesmo que se fosse parecido com James Dean, eu poderia fazer sucesso como ator --que isso [não ser parecido com James Dean] era a única coisa que me estava impedindo."

    PERFEIÇÃO

    Hoffman parece tão atormentado por dúvidas que me surpreende que ele manifeste suas opiniões quando está no set de filmagens. Não realmente, ele responde, tudo isso faz parte da mesma coisa --saber que existem opções, buscar a perfeição. "Nunca penso que há apenas uma maneira de fazer uma cena." Ah, as tomadas refeitas. Hoffman sempre exige que as tomadas sejam refeitas, e ele sabe como isso pode ser difícil para os diretores. "Não há insulto maior para um diretor do que ele ter ficado satisfeito e querer seguir adiante, e você falar 'não, não está bom o suficiente, podemos fazer melhor'."

    Hoffman divide os diretores em dois tipos. "Os que querem ser surpreendidos e os que não querem. Você pode identificar os diretores que não querem ser surpreendidos porque você os vê dizendo as falas em silêncio enquanto a cena está sendo rodada. E você sabe que vai ter problemas sérios. O diretor já rodou a cena na cabeça. Ele não quer nenhuma outra entonação."

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    Os atores Dustin Hoffman e Anne Bancroft em cena do filme " A Primeira Noite de Um Homem"d
    Os atores Dustin Hoffman e Anne Bancroft em cena do filme " A Primeira Noite de Um Homem"d

    Sua reputação de ser um ator que dá trabalho é merecida? "A mídia é preguiçosa. Uma coisa vira a verdade se você a repete e repete." Então ele dá trabalho? Hoffman hesita. "Há alguns diretores com quem trabalhei e com quem entrei em choque, mas eles são a minoria, com certeza. Alguns desses diretores verbalizaram a coisa. Eu não faço isso. Acho imoral, uma covardia, lavar a roupa suja em público. Por isso, não respondo a eles por escrito." Não com frequência, pelo menos.

    "Há diretores com quem briguei e com quem o filme saiu muito bom, muito bom mesmo." Sydney Pollack, por exemplo, que dirigiu "Tootsie"? "Esse foi um. Basicamente, Sydney não era um diretor colaborativo. Ele era um diretor muito bom, mas ele era o sujeito que ateava o incêndio e ele era o chefe dos bombeiros; apenas ele sabia apagar o incêndio. É uma pena, porque há diretores que preferem fracassar com um filme que podem afirmar que é inteiramente deles que colaborar e dividir a vitória. É um fenômeno interessante. E há diretores que não são assim. Barry Levinson, por exemplo, é extremamente colaborativo."

    Hoffman ainda está pensando em sua reputação. "Eu era o 'ator difícil'. Era essa a palavra que usavam, 'difícil'." Ele fala que na realidade, quanto mais pensa nisso, mais absurdo lhe parece. "Vivo numa comunidade em que aconteciam coisas muito mais desagradáveis que discordar com um diretor. Afinal, Jack Nicholson jogou um aparelho de TV em Roman Polanski, Bill Murray levantou uma produtora e a jogou na água, Gene Hackman jogava um diretor de uma ponta de uma sala à outra, e eu sempre pensava 'por que será que tenho essa reputação?'."

    Você nunca jogou um diretor em algum lugar? Hoffman olha para ele mesmo, depois para mim. "Não, eu sou judeu. Os judeus geralmente resolvem as coisas com uma negociação." Ok, vamos corrigir os relatos, então. Você não é violento nem agressivo, apenas levemente verbal. Ele me lança outro olhar. "Levemente verbal? Não sei o que quer dizer levemente verbal. Se você discorda, você discorda."

    A assessora entra na sala e diz que nosso tempo acabou. Hoffman parece irritado, diz a ela que estamos nos divertindo e queremos continuar conversando. Ele comenta que as coisas estão mudando. Anos atrás, você podia ficar jogando conversa fora por horas a fio. Agora querem que você dê entrevistas em cinco minutos.

    Então falamos sobre o filme novo e sobre como ele finalmente expulsou aquele demônio. Diferentemente da primeira vez em que tentou dirigir, em "Quartet" Hoffman não atua. Adaptação da peça de mesmo título de Ronald Harwood, o filme mostra que a velhice não é para os covardes, mas é também um hino ao espírito humano.

    Convencional e um pouco antiquado, o que emerge dele é a habilidade de Hoffman em arrancar de seu elenco britânico estelar (Michael Gambon, Billy Connolly, Pauline Collins, Maggie Smith) o que ele tem de melhor. É engraçado que alguém com sua reputação tenha escolhido a temível Maggie Smith para um dos papéis principais, eu comento. Ele teve medo dela? "Eu tinha sido avisado." Do quê? "Oh, que ela é capaz de destruir você se você não a tratar direito, então falei 'isso eu não farei, com certeza'. Quando nos encontramos, nos sentamos num sofá e eu disse a ela: 'Acho que nós dois temos a mesma fama de não darmos moleza a diretores'. E ela me disse: ' A alguns'. E eu falei: 'Posso afirmar o mesmo'. E ela é brilhante."

    Dustin Hoffman já disse que não tem prazer em representar --é intenso demais. Hoje, afirma, ele adoraria atuar, desde que não fosse preciso haver um resultado final. "Eu queria que a gente nunca tivesse que lançar o filme. Eu adoraria atuar se fosse algo que você sai de casa para fazer todos os dias, como um emprego. O mesmo se aplica às peças de teatro: os ensaios são a melhor diversão do mundo."

    Como diretor, desta vez Hoffman descobriu que foi mais fácil se soltar. "Foi um alívio fazer o que a maioria dos diretores não faz: deixar um ator que estava ambivalente em relação a seu trabalho se aproximar e dizer a ele: 'Dê uma olhada no monitor, coloque os fones de ouvido. Se você não gostar, a gente refaz, mas eu acho que já está bom.' Os diretores geralmente não deixam você chegar perto do monitor. Gostam de manter você subserviente."

    A assessora de publicidade está de volta. Nosso tempo realmente acabou agora, diz ela --Hoffman precisa estar em outro lugar. Só mais um pouquinho, ele pede --há tanta coisa da qual falar. Então ele conversa sobre sua segunda mulher, Lisa, com quem se casou 32 anos atrás, o orgulho que sente de seus seis filhos adultos, seus netos, de como gosta de passar tempo em Londres quando não está em Los Angeles. Pergunto se Lisa trabalha. Ele dá um sorriso maroto. "Sim, e agora você me deu uma brecha." Se você quiser me fazer um favor grande, ele explica, cite e empresa de produtos de beleza dela, para fazer divulgação.

    Não posso simplesmente incluir o nome da empresa, sem mais, respondo. Pense num contexto, ele pede. Hoffman está sentado ali, rindo, com a barriga estufada ao máximo. De alguma maneira, ainda está bonito para uma pessoa de sua idade. Ok, falo, me conte como você faz para parecer tão jovem aos 75 anos? "Obrigado. Uso o creme hidratante de minha mulher, Lisa Hoffman Beauty. E ele se dissolve em gargalhadas.

    Enquanto isso, a assessora o está arrastando para o compromisso seguinte. "Pode me fazer sua pergunta favorita que você ainda não fez." Este ano, alguns jornais noticiaram que Hoffman tinha salvado a vida de um corredor que sofreu um ataque cardíaco em Hyde Park. "Não cheguei a salvar a vida dele", ele responde. Então o que aconteceu realmente?

    "Ele dava a impressão de estar descansando, e então bum! Caiu no chão de concreto, seu rosto ficou cheio de sangue e eu percebi que alguma coisa estava errada --seus olhos estavam abertos, ele estava atordoado, mal conseguia respirar, e por acaso eu era a única pessoa por perto. Então comecei a berrar 'vocês têm 911 aqui, qual é seu equivalente ao 911?'. E alguém se aproximou e ligou para o número, e eu disse 'acho que você não deve movê-lo'. Ele estava deitado de lado. Os paramédicos chegaram em quatro minutos. Era do outro lado da rua em relação ao Albert Hall. Eles vieram correndo, tinham o desfibrilador, um negócio cardíaco portátil, cortaram a camisa dele para abrir, fizeram a desfibrilação, foi perfeito. Então fui comprar o jornal na manhã seguinte e lá dizia que eu tinha salvado a vida de uma pessoa. Eu estava lá! Só isso."

    Quando a assessora o conduz para fora, Hoffman comenta que o filme foi catártico. "Faço terapia há vários anos", ele diz. E foi esse o foco? "Sim." Por quanto tempo ele consultou um terapeuta em função de sua incapacidade de dirigir? "Mais ou menos dez anos." Com um bom terapeuta, diz Hoffman, você pode realizar qualquer coisa. "Sabe de uma coisa, eu gostaria de fazer terapia mesmo depois de morto". E, com isso, ele finalmente concorda em partir.

    Tradução de CLARA ALLAIN.

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