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    Sonetos de Shakespeare codificados em DNA

    IAN SAMPLE
    DO "GUARDIAN"

    29/01/2013 15h00

    As palavras dele comovem os apaixonados e foram alvo de reflexão sombria da parte de adolescentes melancólicos por mais de 400 anos, mas agora alguns dos mais românticos poemas da história foram escritos no código da vida.

    A coleção completa dos 154 sonetos de Shakespeare foi escrita em forma de letras de DNA por cientistas de Cambridge, a fim de demonstrar o vasto potencial da armazenagem genética.

    Imensas quantidades de informação poderiam ser registradas em pequenos trechos de DNA e arquivadas por dezenas de milhares de anos, dizem pesquisadores.

    Além dos sonetos do bardo de Stratford, os cientistas produziram porções de DNA que armazenam parte do arquivo sonoro do discurso "Eu Tenho um Sonho", que Martin Luther King pronunciou em 1963, e o estudo pioneiro sobre a estrutura em dupla hélice do DNA, fruto de pesquisas de Francis Crick e James Watson uma década antes do discurso.

    Escrito em DNA, um soneto de Shakespeare pesa cerca de 0,3 milionésimos de um milionésimo de grama. Um grama de DNA poderia reter tanta informação quanto um milhão de CDs, de acordo com os pesquisadores.

    Nick Goldman e Ewan Birney, do Instituto Europeu de Bioinformática em Hinxton, perto de Cambridge, tiveram a ideia em uma conversa de bar, em Hamburgo. Estavam imaginando quais alternativas poderiam haver para o uso de dispendiosos discos rígidos e fitas magnéticas na armazenagem dos conjuntos de dados cada vez mais usados nas pesquisas biológicas.

    Eles sabiam que o DNA é uma maneira incrivelmente eficiente e compacta de armazenar informação, e decidiram desenvolver um método para fazer das moléculas uma forma de memória digital, capaz de armazenar os zeros e os uns usados para preservar imagens, palavras, música e vídeos em computadores.

    "Rabiscamos nossa ideia em guardanapos, diagramamos os detalhes e compreendemos que havia possibilidade real de fazê-lo", disse Goldman.

    Os cientistas desenvolveram um código que usa as quatro letras, ou bases, moleculares de material genético --conhecidas como G, T, C e A-- para armazenar informações.

    Os arquivos digitais armazenam dados como sequências de uns e zeros. A equipe de Cambridge transforma cada bloco de oito números de um código digital em cinco letras de DNA. Por exemplo, o código binário de oito números para a letra T se torna "TAGAT".

    Para armazenar as palavras, os cientistas simplesmente unem os grupos de cinco letras de DNA. Assim, a palavra inicial do verso "Thou art more lovely and more temperate" (vencendo-o em equilíbrio, és sempre mais amável), do famoso soneto 18 de Shakespeare, é representado pelo grupo TAGATGTGTACAGACTACGC.

    Para testar o procedimento, Goldman e Birney converteram alguns sonetos, o discurso de Martin Luther King e o estudo de Watson e Crick em seu novo código de DNA e enviaram o resultado por e-mail a uma companhia norte-americana chamada Agilent, que produz trechos físicos de DNA para fins comerciais e os fornece a pesquisadores.

    Semanas mais tarde, a empresa lhes encaminhou um pequeno tubo de ensaio, contendo um trecho de DNA no qual toda a informação que eles haviam enviado estava codificada.

    Para garantir que o DNA armazenou a informação corretamente, os cientistas de Cambridge o misturaram a uma solução e o submeteram a uma máquina de sequenciamento genético. Depois disso, confirmaram que continuava possível ler o arquivo completo, de acordo com um artigo na revista "Nature".

    CORREÇÕES

    Feito semelhante foi realizado por George Church, geneticista da Universidade Harvard, no ano passado. Ele codificou uma cópia de seu livro "Regenesis", 11 imagens e um programa de computador em DNA.

    O trabalho de Cambridge é diferente na forma pela qual corrige erros de ortografia cometidos quanto o DNA é escrito ou lido. Cada "palavra" do código de DNA é escrita de quatro maneiras diferentes, e há milhões de cópias de cada versão. Quaisquer erros no DNA devem afetar apenas uma minoria das porções de código, e é possível identificar os erros por estudo comparativo.

    "Uma das grandes propriedades do DNA é que não é preciso energia para armazená-lo. Basta mantê-lo frio, seco e no escuro, e ele dura por muito tempo. Sabemos disso porque rotineiramente realizamos sequenciamentos de DNA de mamutes, preservados por acaso nessa condição", disse Birney.

    O alto custo atual de produção de DNA significa que armazenagem genética em drives biológicos não será uma ideia prática ainda por muito tempo. Mas Birney diz que se o custo de sequenciamento de DNA voltar a cair em 100 vezes, como já aconteceu na década passada, armazenar informações em DNA passaria a ser economicamente viável para dados que precisam ficar arquivados por mais de 50 anos.

    Perguntado se o DNA assim criado poderia representar risco de saúde caso incorporado a uma pessoa ou outro animal, Goldman respondeu que "o DNA que criamos não pode ser incorporado acidentalmente a um genoma. Usa um código completamente diferente do empregado pelas células de corpos vivos. Se partes desse DNA terminassem no organismo de alguém, ele simplesmente se degradaria e seria eliminado".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI.

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