• Ilustríssima

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    Um poema de Fernando Paixão sobre São Paulo

    FERNANDO PAIXÃO
    fotografia FELIPE BERTARELLI

    19/01/2014 04h09

    São Paulo, teu nome

    Urbinácia máxima imperfeita
    lençol de eus e meus em multidão
    plantada em hastes, a planalticeia:
    cidade inventada a cada pessoa.

    Teus homens, mulheres e moribundos
    vestem a roupa rústica das manhãs
    à noite desapertam os calçados da tarde
    ora com nuvens, ora sem elas.

    Levam às ruas o coração fechado
    enquanto os olhares usurpam cores
    das feias esquinas à quimera das vitrines
    atados estamos ao preço das coisas.

    E a matéria vivida coexiste calada
    nos cômodos das mesmas casas
    soma de tantos gestos e sentenças
    manchas úmidas nas paredes gastas.

    Quantos insones atravessam a tua noite
    acionam os remos largos da madrugada
    e no amanhecer fecham os olhos cansados
    indiferentes à altivez dos arranha-céus.

    Na praça do bairro aparecem as primeiras
    crianças -as que se interessam pela terra
    acreditam na sombra das árvores
    e acolhem faceiras a luz deste dia.

    Aos poucos -avenidas, viadutos, prédios
    despertam os músculos, os ossos e o rosto.
    Novamente o corpo se levanta por inteiro
    novelo de artérias sem fim nem começo.

    Teu nome, São Paulo, induz ao engano,
    tão pouco de ti lembra a santidade.

    Felipe Bertarelli/Divulgação
    Imagem que integra a série "Túneis Não Mostram o Final"
    Imagem que integra a série "Túneis Não Mostram o Final"

    FERNANDO PAIXÃO, 58, é professor de literatura na USP e autor de "Palavra e Rosto" (Ateliê).

    FELIPE BERTARELLI, 30, fotógrafo, tem exposição em cartaz na Casa da Imagem.

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