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    Respostas de Stefania Chiarelli

    DE SÃO PAULO

    23/02/2014 03h10

    STEFANIA CHIARELLI
    professora adjunta de Literatura Brasileira da Universidade Federal Fluminense. Publicou "Alguma Prosa: Ensaios sobre Literatura Brasileira Contemporânea" (organização com M. Lemos e Giovanna Dealtry; 7Letras, 2007)

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    É possível apontar algumas tendências na produção literária contemporânea?
    Creio que a marca é a pluralidade, a variedade de linhagens, temas e suportes. Há diversas linhas de força, mas se pode destacar as escritas de si, do cotidiano privado, os relatos de violência explícita, entre outros. Isso de forma muito geral, já que, nos melhores casos, essas vertentes se cruzam, criando tensões interessantes.

    Quais seriam suas principais qualidades e deficiências?
    Falar a partir do agora é uma jogada de risco, com inúmeras vantagens e alguns problemas. Mas essa inadequação, esse anacronismo, para retomar o conceito de Agamben, permite um olhar específico. A minha experiência como leitora se volta tanto para o cânone quanto em direção a obras que falam diretamente de dentro do tempo presente, e que buscam maneiras de dizer a relação dos sujeitos com o mundo que os rodeia.

    A Feira de Frankfurt e os programas da política do livro mantidos pelo governo (bolsas de tradução, bolsas de criação, criação de festivais) trouxeram resultados significativos para a produção artística?
    O aumento dos espaços de circulação da literatura, as traduções, tudo isso é positivo, mas ainda são iniciativas tímidas.

    A perspectiva de aceitação no mercado exterior norteia de alguma forma o tipo de literatura que se está produzindo?
    O jovem autor escreve pensando no exterior? Nunca foi tão interessante ser um jovem escritor no Brasil. Espaço, mídia, circulação, entrevistas, feiras. Há muita visibilidade, o que também tem seu lado negativo: para escrever, ainda é necessário isolamento e introspecção, elementos cada vez mais rarefeitos.

    Existe uma "globalização" dos temas?
    Não tanto a globalização dos temas, mas a celebrização da figura do autor parece ser a tônica do momento, em escala bastante ampla. Esse fetiche em torno do escritor cria a demanda permanente da construção de uma imagem. Hoje não basta ao autor escrever bons livros, cabe a ele também divulgá-los.

    A literatura contemporânea inova em algum sentido? Ela renova formas, gêneros? Como?
    Pelo que vemos até aqui, o que ela faz é justamente um diálogo - em seus melhores resultados - com repertórios que em algum momento foram vanguarda, trouxeram rompimento, inovação, e que hoje fazem parte do cânone. A literatura contemporânea recicla gêneros consagrados, como o melodrama, o romance policial e o romance histórico, para ficar em alguns exemplos. Mas, como diz Umberto Eco, esse retorno se dá pela via da ironia, sem inocência. As contingências literárias são outras.

    Existe ainda no Brasil literatura "regional"? A origem geográfica é determinante na literatura que se produz?
    O regionalismo é um termo que ficou datado, digamos. Mas é certo que há uma literatura que dialoga com o elemento regional de forma muito profícua, a exemplo da obra do cearense Ronaldo Correa de Brito, entre outros.

    8) A literatura produzida atualmente no país é política? Ser política é uma característica relevante? Correndo o risco de ser clichê, toda boa literatura é política. E sim, é da maior relevância. Eles eram muitos cavalos, de Luís Rufatto, ou Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo, são exemplos de uma literatura crítica, questionadora.

    A chamada autoficção, voltada para o próprio eu, para a própria experiência, parece ser um dos mais fortes motes da produção literária dos últimos anos. Alguns estudos apontam uma exacerbação da subjetividade, que seria vista como um valor de autenticidade. Como avalia essa questão? Quais implicações disso na literatura brasileira?
    Certamente essa é uma importância tendência, que não é nova, diga-se de passagem, pois tem início na França nos anos 1970. No Brasil de hoje ela rende distintos frutos, dependendo do trabalho feito com a linguagem, do tratamento dado à matéria, já que não basta ter uma história - de si ou do outro - boa para se contar.

    Como as formas de interação via redes sociais se manifestam na literatura que se produz hoje?
    Manifesta-se nos espaços de circulação, nas novas formas de mediações e suportes, no fortalecimento da figura do autor no ambiente virtual. Mas creio que, em determinado momento, o escritor ainda busca o velho e bom livro impresso.

    Existe uma desagregação do romance como forma convencional –pela fragmentação, pela intervenção gráfica?
    É fato que a literatura perdeu a centralidade na contemporaneidade, e seu lugar hoje é, no mínimo, problematizado. O diálogo com o cinema, a fotografia, os quadrinhos e a cultura pop é praticamente onipresente.

    Antologias, coletâneas temáticas, seletas de escritores e outras iniciativas que partem do mercado editorial são frutíferas? Beneficiam a produção?
    Creio que são formas de apresentar determinados autores ao público, maneiras de estabelecer recortes temáticos ou geracionais. Tudo, evidentemente, dentro de uma lógica da engrenagem do próprio mercado, o que não é um problema em si. Mas o leitor deve ir ao livro, ter interesse de conhecer a obra completa de um autor, para além dessa apresentação mais ligeira.

    As oficinas de criação literária, que abundam nos últimos anos, "moldam" a literatura que se produz hoje?
    Muitas delas servem como plataforma, uma espécie de laboratório, para que muitos autores encontrem seu tom, sua própria voz. A ideia seria essa, e não a de uniformizar estilos ou linguagens.

    Que espaço tem a poesia hoje, na produção e no mercado? Pode ganhar mais espaço após o sucesso surpreendente da edição da poesia completa de Leminski no ano passado?
    O espaço é reduzido, sabemos. Mas os leitores estão por aí, um tanto escondidos. Somos poucos, e não há como imaginar que a tribo vire multidão. Uma coisa é a Feira, a Bienal, o show. Outra é a solidão da leitura, o isolamento, o mergulho na subjetividade de cada um. Isso só acontece quando se está sozinho, e poucos querem encarar essa experiência hoje.

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